29.2.12

#estrada fora: pit stop na herdade dos grous, no alentejo, a pretexto do vinho, da comida, do bom tempo e do que regala a vida e é de gosto | parte I

[Vista geral da Herdade dos Grous (foto de divulgação) e o quarto 1105, batizado como Alfarrobeira  (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Hoje, já se começa a falar em chuviscos, mas quando fui até ao Alentejo, na semana passada, o antigo celeiro de Portugal contava já mais de quarenta dias sem ver pingo de água.

Ainda assim, e graças a uma barragem que ocupa 98 hectares numa propriedade com mais de 700, a Herdade dos Grous, em Albernôa (concelho de Beja), mantém-se, até ver, verdejante — a que não será alheio também o facto de estar a regar as suas culturas.

[O projeto de enoturismo é uma das vertentes dos Grous (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A seca severa inspira cuidados e preocupações, mas a relativa calma com que se vive este período por ali fez com que o Sol fosse encarado mais como uma bênção e menos como uma punição durante a minha curta visita.

O que fui ali fazer? 

[A traça típica alentejana foi uma inspiração... (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Antes de mais, satisfazer uma curiosidade. Apesar de funcionar já como enoturismo há uns anos, não muitos, a Herdade dos Grous goza, até na região, de uma certa aura de isolamento e criou-se a ideia de que é um mundo à parte, pouco acessível à maioria dos portugueses.

[A piscina sobre a barragem (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A produção de vinhos em nome próprio deu-lhe outra visibilidade, é certo, mas ainda assim prevalece a convição de que a Herdade dos Grous se coloca à margem. O facto de pertencer, desde 1996, à família alemã Pohl, cuja fortuna provém dos seguros, contribuiu para isso.

[A seca tem desta coisas, como tornar tentadora uma piscina em finais de Fevereiro (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas a Herdade dos Grous merece ser mais conhecida. Pelos bons vinhos que produz, sem dúvida, mas também por um modelo de turismo e de gestão agrícola que busca a sustentabilidade. 

[Um dos quartos da herdade (foto de divulgação)]

Do enoturismo não vou falar muito, limitando-me a mostrar aqui um quarto, para terem uma ideia, e a contar alguns pormenores. Repartidos por diferentes blocos, que imitam a arquitetura típica alentejana (embora o azul das barras não seja o "legítimo"), os quartos estão todos batizados com nomes de árvores.

[A largueza do horizonte (foto de divulgação)]

Na verdade, o pretexto da minha ida aos Grous passa pela sua ligação ao resort algarvio Vila Vita. Os dois são propriedade dos Pohl, tendo cabido sempre ao último a gestão hoteleira do primeiro. A herdade, por seu turno, está incumbida, entre outras responsabilidades próprias, de abastecer com os seus produtos os vários restaurantes do Vila Vita, incluindo o Ocean, a cargo do chef austríaco Hans Neuner, que ganhou a sua segunda estrela Michelin em 2012.

[São 200 as cabeças de gado (foto de divulgação)]

Para levar a cabo essa tarefa, foi determinante, a partir de 2002, a contratação do enólogo Luís Duarte. Depois de 18 anos à frente da Herdade do Esporão, e de ter contribuído para produzir algumas das marcas mais emblemáticas do Alentejo, o primeiro enólogo a formar-se em Portugal soube entender, como ninguém, a morfologia da Herdade dos Grous e procedeu, em cinco fases, à plantação de vinhas em 73 hectares. 

[As vinhas estendem-se por 73 hectares (foto de divulgação)]

Ao longo de todo o processo foram encepados cerca de 3300 pés por hectare, sobretudo de variedades tintas regionais, além de algumas castas internacionais bem adaptadas à região. Terminada a fase de produção integrada, estão agora a produzir de forma biológica, faltando apenas dois anos para a Herdade dos Grous atingir o estatuto de agricultura biológica.

Isso implica que podem à mesma usar enxofre, cobre, mas estão proibidos de usar herbicidas e procedem ao plantio de leguminosas que, depois de cortadas, introduzem azoto no solo. E não se julgue que esta questão biológica é apenas um capricho para ficar bem na foto. Os Grous, sob a gestão de Luís Duarte, praticam a sustentabilidade em praticamente tudo o que fazem. Dos vinhos aos pomares, das hortas à criação de gado (começaram por ter várias raças, mas hoje optaram apenas por uma raça alentejana, com 200 cabeças, apostando igualmente na criação do porco preto). 

[Não é garantido avistar grous, que são aves migratórias, mas não faltam outros animais, como cavalos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Voltando aos vinhos, a adega começou a ser construída em 2004 e, como é ponto de honra nos Grous, estabelece um compromisso interessante entre a tradição (neste caso dos processos de vinificação) e a modernidade tecnológica. Foi um passo determinante para expandir o negócio e marcou, a partir de 2005, o início de uma maior abertura ao exterior.

[A adega da Herdade dos Grous (foto de divulgação)]

Para quem visita, e é apenas um curioso na matéria, a parte mais divertida é sempre aquela onde se passa em revista as barricas em carvalho francês. Dá para perceber que é (ainda) uma adega recente, mas com uma maturidade e uma gestão otimizada que lhe permite já produzir quatro tintos e dois brancos de "responsa" — equilibrados, de boa cepa alentejana, mas com um perfil internacional, modernos e bem feitos. E não sou eu quem o diz, e sim vários enófilos com quem falei à posteriori.

[Uma das barricas em carvalho francês (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

No almoço que se seguiu, foi-me dada a oportunidade de degustar, a acompanhar as várias entradas e pratos, vinhos de 2010. Primeiro um branco mais leve, seguido de um reserva. Vou tentar traduzir por miúdos as razões que me levaram a ficar arrebatado por este último: elaborado sobretudo a partir da casta Antão Vaz (com notas de Verdelho e Viognier), o que lhe dá um toque todo especial é o facto de ter estagiado por seis meses em barricas novas de carvalho francês. E isso, meus amigos, faz muita diferença.

[A sala do restaurante, com um toque rústico q.b. (foto de divulgação)]

Por ter sido submetido a um contato mais ativo com a borra (o que se entende por bâtonnage), apresenta-se como um vinho guloso, untuoso, intenso (cerca de 14º graus) e que sabe claramente a frutas exóticas maduras. Há quem ache que poderia ser um pouco mais ácido, o que aumentaria a sua frescura; concordo, mas, no conjunto, pareceu-me harmonioso e maridou-se muito bem com os petiscos alentejanos.

[O sal chega-nos assim à mesa (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Seriam ainda servidos, nos tintos, um Colheita de 2010, o 23 Barricas (após estágio de 12 meses de carvalho francês, foram apenas selecionadas 23 barricas de Syrah e Touriga Nacional para o produzir, daí o nome) e, já nas sobremesas, o Moon Harvested (o nome poderia ser traduzido por "Colheita da Lua", é encorpado sem chegar a ser pesado).

[O azeite, o queijo curado de ovelha e o pão (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas chega de falar dos vinhos. Muitos não saberão, como eu não sabia, mas o restaurante da Herdade dos Grous está aberto, todos os dias, ao público. Claro que, pelas condicionantes da herdade, está mais vocacionado para receber grupos e eventos, mas prevalece o propósito de bem  servir quem por ali aportar, o que me agradou.

[O presunto (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Com a elegância rústica comum às grandes casas alentejanas, a sala do restaurante logo passou para segundo plano à medida que foram chegando as várias entradas. Bom presunto, queijo curado de ovelha, pão alentejano e azeite com o selo dos Grous.

[Deliciosamente simples estas tibornas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

É, aliás, com esse azeite extra virgem, produzido apenas por meios mecânicos, que preparam as deliciosas tibornas. Como é que uma coisa tão simples, só com azeite e pão, pode saber tão bem?

[A terrina de ovos mexidos com espargos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Por altura dos ovos mexidos com espargos, já estava mais do que saciado, mas foi só ver a travessa de carnes, com porco preto e costeletinhas de borrego, acompanhadas de batatas, courgettes e cenouras, para recuperar o juízo. Foi tal a distração que, quando dei por ela, já era demasiado tarde para fotografar o prato...

[O que dizer, ou escrever, sobre este sortido rico de sobremesas? (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Felizmente, fui ainda a tempo de captar a sobremesa. Ou melhor, as sobremesas. Vários doces alentejanos, entre groselhas, amores-perfeitos e uma rosa, tudo comestível. Lindo.

Óbvio que este almoço se prolongou mais do que deveria, ou era suposto, e o que era apenas para ser uma "escala técnica" acabou por se tornar uma agradável tertúlia. Mérito do Luís Duarte, que se revelou um anfitrião e um contador de histórias de mão cheia.

Igualmente difícil, se não mesmo impossível, é alguém sair dos Grous de mãos à abanar, sem antes passar na loja de vinhos para um "abastecimento" providencial. 

Ficou a promessa de voltar com mais tempo. De volta à estrada, a hora era agora a de seguir o rasto ao que se produz nos Grous e vai parar aos restaurantes do resort Vila Vita, já no Algarve.

Cenas que mostrarei, e coisas que contarei, no próximo post, pois então. 
(continua...)

Herdade dos Grous | Albernôa, Beja, tel. 284 960 000

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