28.6.12

a nova temporada do largo do paço, o único restaurante estrelado de portugal fora dos grandes centros


[A vista da Casa da Calçada para o Tâmega e para Amarante (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Às vezes tudo o que precisamos é de um ultimato irrecusável.

[A entrada na Casa da Calçada (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] 

Fazia tempo, mas tempo mesmo, que o Largo do Paço, o restaurante da Casa da Calçada, em Amarante, me andava debaixo de olho.

[O requinte da Casa da Calçada (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas, vá-se lá saber por que razão obscura, eu fui protelando, protelando... até que, há coisa de um mês, talvez até um pouco mais, a Fátima Moura (que está de blog novo, a propósito) me desafiou para um domingo-maratona. Programa cheio, daqueles de ir e vir no mesmo dia, numa viagem de praticamente 800 quilómetros entre Lisboa e Amarante.

[Nas paredes, várias pinturas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Um estirão. Mas um estirão muito tentador.

[O ambiente campestre-chic do Largo do Paço (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Primeiro porque o grupo, para lá de simpático, incluía uma convidada muito especial: nada mais nada menos do que a Maria de Lourdes Modesto (quem não cresceu com um exemplar da Cozinha Tradicional Portuguesa por perto?); segundo porque Vítor Matos, o chef do Largo do Paço, nos daria a provar, em primeiríssima mão, vários pratos (e quando digo vários, estou a falar para cima de dez!) da sua nova carta de verão.

[Chef Vítor Matos (foto de divulgação editada por JMS)]

Irrecusável. Eu bem disse.

[João Costa Oliveira, um dos cicerones da Casa da Calçada e do Largo do Paço (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Chegámos bem na hora do almoço e, depois de uma primeira visita rápida de reconhecimentos aos cantos da casa, fomos logo diretos à adega, onde nos esperava um brinde com um dos espumantes produzidos pela Casa da Calçada. Vítor fez as honras e ali mesmo começou a desvendar um pouco do que viria a seguir.

[O menu Sensory Tasting que Vítor Matos preparou para dar a conhecer a nova carta de verão (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

No Largo do Paço não mudam a ementa todas as estações, como acontece noutros restaurantes de alta gastronomia, mas de cada vez que o fazem, ou seja aproximadamente de seis em seis meses, uma média de 35 novos pratos são introduzidos; fora, claro, os que se tornaram clássicos da casa e por isso não arredam pé do cardápio. 

[Para começar, os pães gulosos do couvert (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Nada mau para um restaurante de interior, ancorado em pleno coração histórico de Amarante, junto à ponte que namora com o rio Tâmega, não? 

Acontece que o Largo do Paço tem pergaminhos a defender.

[A abrir: Foie Gras des Landes com trufa, beterraba, crème brûlée e consommé de trufa Estivium (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Instalado no hotel de charme Casa da Calçada, antiga morada dos Condes de Redondo, o Largo do Paço conquistou a sua primeira estrela Michelin em 2005, estava ainda o Chefe Cordeiro (hoje no Feitoria, em Lisboa) à frente da cozinha. Na altura, alertados pela boa nova, entrou na casa o primeiro grupo de turistas japoneses gourmet. Quem mo contou foi o próprio José Cordeiro.

[Um dos pratos de assinatura de Matos que vem ficando de carta para carta: Lavagante Azul da Costa  glaceado com gel de ostras, redução de Pedro Ximenez e esferificação de sapateira, maracujá e abacaxi (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Cordeiro saiu, entrou Ricardo Costa (hoje no The Yeatman, Porto), e manteve-se a estrela. Vítor Matos foi o senhor que se seguiu, titular até ao presente, sempre sem perder a boa estrelinha. 

[Ainda nos mariscos, o Carabineiro de Sagres com o seu molho, puré de salsifis e toucinho salgado de porco preto (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Caso para dizer que o Largo do Paço dá sorte aos chefs que por ali passam — tanto Cordeiro como Costa conquistaram outra nos seus projetos atuais —, a que não será alheio também o facto de se encontrar integrado na rede Relais & Châteaux (um requisito que sempre merece uma atenção especial dos inspetores da Michelin). 

[Muitos embirram como ovo a 62º graus, uma técnica recorrente da cozinha molecular, mas Matos recupera-o de cartas anteriores, com presunto bísaro e Boletus Edilius confitados em azeite e espargos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Comuns aos três, uma cozinha regional, assente em produtos  sazonais e nas suas raízes (Matos e Cordeiro nasceram fora mas dizem-se transmontanos; Costa é de Aveiro), mas executada com boa técnica e um toque de modernidade. Esta, juntamente com um serviço esmerado de sala e uma decoração campestre-chic, foi e é a imagem de marca do Largo do Paço.

[E que tal uma sopa de ervilhas revisitada? Matos foi muito feliz nesta versão de Ervilhas e Vieiras, que consiste num cappuccino de ervilhas, crocante de chouriço de Barrancos e vieiras salteadas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Vítor Matos, na casa dos trinta mas já com um currículo que atesta a sua formação na Suíça e passagem pelas cozinhas de grandes hotéis em Portugal, dispensa a confusão de grandes cidades como Lisboa e mostra-se satisfeito com o seu percurso discreto, mas muito regular e elogiado, à frente do Largo. 

[Cantaril dos Açores, um peixe muito do agrado dos chefs portugueses, cozinhado a vapor aromático, esparguete de tinta de choco, trouxa de cogumelos, chutney de manga, molho de crustáceos e caril de Madras. Para ter peixe fresco, Matos vai duas vezes por semana à lota (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Na nova carta não chega a ser inovador — nem é esse o perfil de quem, por norma, procura o restaurante, que, curiosidade oblige, tem vindo a atrair muitos clientes brasileiros de passagem pelo Norte —, mas nota-se que tem uma base segura, que lhe permite dominar a técnica, e uma boa dose de confiança e de criatividade, que lhe permitem harmonizações menos habituais. 

[Bem interessante este limpa-palatos entre o peixe e a carne, no caso um Gin Mediterrânico com azeitona, manjericão, tomate e tomilho (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

De tudo o que ali provei, e não vem mal ao mundo por isso, gostei mais de umas coisas do que outras.

[A harmonia da Pintada, bonita de ver, mas também de saborear graças ao peito recheado com pistaches, Morilles, molho de foie gras e cremoso de batatas trufadas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

De um modo geral, gostei muito do facto de, em praticamente todos os pratos, haver sempre produtos locais, legumes da época (para além dos cogumelos e trufas, estas últimas um verdadeiro regalo), com uma piscadela aqui e acolá às técnicas moleculares, mas apenas na justa medida (e bem feito, é bom que se diga, pelo que vi das suas espumas e esferificação). Gostei menos de certas combinações que, para o meu paladar pelo menos, me parecerem escusadas (caso do crème brûlée com o foie gras) ou demasiado fortes (o toucinho salgado no molho do carabineiro, por exemplo).

[Porco Bísaro, fumado e confitado com molho de vinho tinto, gnocchis de castanhas, favas e cebolo. Só foi pena a pele pouco estaladiça (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Também não morri de amores pela textura algo emborrachada da pele do porco bísaro, como se comentou na altura à mesa e com o próprio chef, só que o seu gostinho fumado acabou por levar a melhor. Mas, concordo, seria melhor se a pele pudesse ficar tostada e estaladiça como a dos leitões.

[Para quem não viu antes, bem apanhada esta ideia do charuto doce servido com um licor em vez de whisky (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Nas sobremesas, além do uso de frutos (e no Largo do Paço há o costume de congelar muita da fruta da época para a continuar a usar ao longo do ano), apreciei que com as mignardises, outro exemplo, se tivesse feito uma releitura de alguns doces típicos de Amarante como os Foguetes.


[Cerejas, salteadas com sabayon de Espumante Rosé Lago Cerqueira, macaron, sorvete e bombom de framboesa (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] 

Já não fiquei muito convencido com a mistura do azeite, ainda que muito frutado, com o iogurte e maracujá. O azeite usado, vale dizê-lo, é o premiado Quinta Vale do Monte, de Trás-os-Montes.


[No topo, O Melhor Azeite do Mundo; acima, as mignardises inspiradas nos doces típicos de Amarante, servidas com o café (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] 

Uma última achega para falar da carta de vinhos, com uma boa escolha a copo, mas também do talento artístico de Vítor Matos. Muitos ainda não sabem mas o chef tem vindo a desenvolver uma linha de design próprio, a Natura, que inclui peças decorativas, mas também louças, além de ter o hábito de desenhar as suas ementas, testando as várias possibilidades de empratamento.

[Um dos esboços de Vítor Matos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] 

Ah, já agora, convém acrescentar que o restaurante funciona à la carte ou com menus de degustação, sendo que neste último caso é aconselhada a reserva prévia. 
  
Casa da Calçada | Largo do Paço, 6, Amarante, tel. 255 410 830, preço médio: 70 euros

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...