[A vista da Casa da Calçada para o Tâmega e para Amarante (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Às vezes tudo o que precisamos é de um ultimato irrecusável.
[A entrada na Casa da Calçada (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Fazia tempo, mas tempo mesmo, que o Largo do Paço, o restaurante da Casa da Calçada, em Amarante, me andava debaixo de olho.
[O requinte da Casa da Calçada (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Mas, vá-se lá saber por que razão obscura, eu fui protelando, protelando... até que, há coisa de um mês, talvez até um pouco mais, a Fátima Moura (que está de blog novo, a propósito) me desafiou para um domingo-maratona. Programa cheio, daqueles de ir e vir no mesmo dia, numa viagem de praticamente 800 quilómetros entre Lisboa e Amarante.
[Nas paredes, várias pinturas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Um estirão. Mas um estirão muito tentador.
[O ambiente campestre-chic do Largo do Paço (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Primeiro porque o grupo, para lá de simpático, incluía uma convidada muito especial: nada mais nada menos do que a Maria de Lourdes Modesto (quem não cresceu com um exemplar da Cozinha Tradicional Portuguesa por perto?); segundo porque Vítor Matos, o chef do Largo do Paço, nos daria a provar, em primeiríssima mão, vários pratos (e quando digo vários, estou a falar para cima de dez!) da sua nova carta de verão.
[Chef Vítor Matos (foto de divulgação editada por JMS)] |
Irrecusável. Eu bem disse.
[João Costa Oliveira, um dos cicerones da Casa da Calçada e do Largo do Paço (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Chegámos bem na hora do almoço e, depois de uma primeira visita rápida de reconhecimentos aos cantos da casa, fomos logo diretos à adega, onde nos esperava um brinde com um dos espumantes produzidos pela Casa da Calçada. Vítor fez as honras e ali mesmo começou a desvendar um pouco do que viria a seguir.
[O menu Sensory Tasting que Vítor Matos preparou para dar a conhecer a nova carta de verão (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
No Largo do Paço não mudam a ementa todas as estações, como acontece noutros
restaurantes de alta gastronomia, mas de cada vez que o fazem, ou seja
aproximadamente de seis em seis meses, uma média de 35 novos pratos são
introduzidos; fora, claro, os que se tornaram clássicos da casa e por isso não
arredam pé do cardápio.
[Para começar, os pães gulosos do couvert (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Nada mau para um restaurante de interior, ancorado em
pleno coração histórico de Amarante, junto à ponte que namora com o rio Tâmega, não?
Acontece que o Largo do Paço tem pergaminhos a defender.
[A abrir: Foie Gras des Landes com trufa, beterraba, crème brûlée e consommé de trufa Estivium (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Instalado no hotel de
charme Casa da Calçada, antiga morada dos Condes de Redondo, o Largo do Paço
conquistou a sua primeira estrela Michelin em 2005, estava ainda o Chefe
Cordeiro (hoje no Feitoria, em Lisboa) à frente da cozinha. Na altura,
alertados pela boa nova, entrou na casa o primeiro grupo de turistas japoneses
gourmet. Quem mo contou foi o próprio José Cordeiro.
Cordeiro saiu, entrou Ricardo Costa (hoje no The Yeatman, Porto), e
manteve-se a estrela. Vítor Matos foi o senhor que se seguiu, titular até ao
presente, sempre sem perder a boa estrelinha.
[Ainda nos mariscos, o Carabineiro de Sagres com o seu molho, puré de salsifis e toucinho salgado de porco preto (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Caso para dizer que o Largo do
Paço dá sorte aos chefs que por ali passam — tanto Cordeiro como Costa
conquistaram outra nos seus projetos atuais —, a que não será alheio também o
facto de se encontrar integrado na rede Relais & Châteaux (um requisito que
sempre merece uma atenção especial dos inspetores da Michelin).
Comuns aos
três, uma cozinha regional, assente em produtos sazonais e nas suas raízes (Matos
e Cordeiro nasceram fora mas dizem-se transmontanos; Costa é de Aveiro), mas
executada com boa técnica e um toque de modernidade. Esta, juntamente com um
serviço esmerado de sala e uma decoração campestre-chic, foi e é a imagem de
marca do Largo do Paço.
Vítor Matos, na casa dos trinta mas já com um currículo
que atesta a sua formação na Suíça e passagem pelas cozinhas de grandes hotéis
em Portugal, dispensa a confusão de grandes cidades como Lisboa e mostra-se
satisfeito com o seu percurso discreto, mas muito regular e elogiado, à frente
do Largo.
Na nova carta não chega a ser inovador
— nem é esse o perfil de quem, por norma, procura o restaurante, que, curiosidade oblige, tem vindo a atrair muitos clientes brasileiros de passagem pelo Norte —, mas nota-se que tem uma base segura, que lhe permite dominar a
técnica, e uma boa dose de confiança e de criatividade, que lhe permitem
harmonizações menos habituais.
[Bem interessante este limpa-palatos entre o peixe e a carne, no caso um Gin Mediterrânico com azeitona, manjericão, tomate e tomilho (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
De tudo o que ali provei, e não vem mal ao mundo por isso, gostei mais de umas coisas do que outras.
De um modo geral, gostei muito do facto de, em praticamente todos os pratos, haver sempre produtos locais, legumes da época (para além dos cogumelos e trufas, estas últimas um verdadeiro regalo), com uma piscadela aqui e acolá às técnicas moleculares, mas apenas na justa medida (e bem feito, é bom que se diga, pelo que vi das suas espumas e esferificação). Gostei menos de certas combinações que, para o meu paladar pelo menos, me parecerem escusadas (caso do crème brûlée com o foie gras) ou demasiado fortes (o toucinho salgado no molho do carabineiro, por exemplo).
[Porco Bísaro, fumado e confitado com molho de vinho tinto, gnocchis de castanhas, favas e cebolo. Só foi pena a pele pouco estaladiça (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Também não morri de amores pela textura algo emborrachada da pele do porco bísaro, como se comentou na altura à mesa e com o próprio chef, só que o seu gostinho fumado acabou por levar a melhor. Mas, concordo, seria melhor se a pele pudesse ficar tostada e estaladiça como a dos leitões.
[Para quem não viu antes, bem apanhada esta ideia do charuto doce servido com um licor em vez de whisky (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Nas sobremesas, além do uso de frutos (e no Largo do Paço há o costume de congelar muita da fruta da época para a continuar a usar ao longo do ano), apreciei que com as mignardises, outro exemplo, se tivesse feito uma releitura de alguns doces típicos de Amarante como os Foguetes.
[Cerejas, salteadas com sabayon de Espumante Rosé Lago Cerqueira, macaron, sorvete e bombom de framboesa (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Já não fiquei muito convencido com a mistura do azeite, ainda que muito frutado, com o iogurte e maracujá. O azeite usado, vale dizê-lo, é o premiado Quinta Vale do Monte, de Trás-os-Montes.
[No topo, O Melhor Azeite do Mundo; acima, as mignardises inspiradas nos doces típicos de Amarante, servidas com o café (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Uma última achega
para falar da carta de vinhos, com uma boa escolha a copo, mas também do talento artístico de Vítor Matos. Muitos ainda não sabem mas o chef tem vindo a desenvolver uma linha de design próprio, a Natura, que inclui peças decorativas, mas também louças, além de ter o hábito de desenhar as suas ementas, testando as várias possibilidades de empratamento.
[Um dos esboços de Vítor Matos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Ah, já agora, convém acrescentar que o restaurante funciona à la carte ou com menus de degustação, sendo que neste último caso é aconselhada a reserva prévia.
Casa da Calçada | Largo do Paço, 6, Amarante, tel. 255 410 830, preço médio: 70 euros
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