29.2.12

#estrada fora: pit stop na herdade dos grous, no alentejo, a pretexto do vinho, da comida, do bom tempo e do que regala a vida e é de gosto | parte I

[Vista geral da Herdade dos Grous (foto de divulgação) e o quarto 1105, batizado como Alfarrobeira  (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Hoje, já se começa a falar em chuviscos, mas quando fui até ao Alentejo, na semana passada, o antigo celeiro de Portugal contava já mais de quarenta dias sem ver pingo de água.

Ainda assim, e graças a uma barragem que ocupa 98 hectares numa propriedade com mais de 700, a Herdade dos Grous, em Albernôa (concelho de Beja), mantém-se, até ver, verdejante — a que não será alheio também o facto de estar a regar as suas culturas.

[O projeto de enoturismo é uma das vertentes dos Grous (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A seca severa inspira cuidados e preocupações, mas a relativa calma com que se vive este período por ali fez com que o Sol fosse encarado mais como uma bênção e menos como uma punição durante a minha curta visita.

O que fui ali fazer? 

[A traça típica alentejana foi uma inspiração... (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Antes de mais, satisfazer uma curiosidade. Apesar de funcionar já como enoturismo há uns anos, não muitos, a Herdade dos Grous goza, até na região, de uma certa aura de isolamento e criou-se a ideia de que é um mundo à parte, pouco acessível à maioria dos portugueses.

[A piscina sobre a barragem (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A produção de vinhos em nome próprio deu-lhe outra visibilidade, é certo, mas ainda assim prevalece a convição de que a Herdade dos Grous se coloca à margem. O facto de pertencer, desde 1996, à família alemã Pohl, cuja fortuna provém dos seguros, contribuiu para isso.

[A seca tem desta coisas, como tornar tentadora uma piscina em finais de Fevereiro (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas a Herdade dos Grous merece ser mais conhecida. Pelos bons vinhos que produz, sem dúvida, mas também por um modelo de turismo e de gestão agrícola que busca a sustentabilidade. 

[Um dos quartos da herdade (foto de divulgação)]

Do enoturismo não vou falar muito, limitando-me a mostrar aqui um quarto, para terem uma ideia, e a contar alguns pormenores. Repartidos por diferentes blocos, que imitam a arquitetura típica alentejana (embora o azul das barras não seja o "legítimo"), os quartos estão todos batizados com nomes de árvores.

[A largueza do horizonte (foto de divulgação)]

Na verdade, o pretexto da minha ida aos Grous passa pela sua ligação ao resort algarvio Vila Vita. Os dois são propriedade dos Pohl, tendo cabido sempre ao último a gestão hoteleira do primeiro. A herdade, por seu turno, está incumbida, entre outras responsabilidades próprias, de abastecer com os seus produtos os vários restaurantes do Vila Vita, incluindo o Ocean, a cargo do chef austríaco Hans Neuner, que ganhou a sua segunda estrela Michelin em 2012.

[São 200 as cabeças de gado (foto de divulgação)]

Para levar a cabo essa tarefa, foi determinante, a partir de 2002, a contratação do enólogo Luís Duarte. Depois de 18 anos à frente da Herdade do Esporão, e de ter contribuído para produzir algumas das marcas mais emblemáticas do Alentejo, o primeiro enólogo a formar-se em Portugal soube entender, como ninguém, a morfologia da Herdade dos Grous e procedeu, em cinco fases, à plantação de vinhas em 73 hectares. 

[As vinhas estendem-se por 73 hectares (foto de divulgação)]

Ao longo de todo o processo foram encepados cerca de 3300 pés por hectare, sobretudo de variedades tintas regionais, além de algumas castas internacionais bem adaptadas à região. Terminada a fase de produção integrada, estão agora a produzir de forma biológica, faltando apenas dois anos para a Herdade dos Grous atingir o estatuto de agricultura biológica.

Isso implica que podem à mesma usar enxofre, cobre, mas estão proibidos de usar herbicidas e procedem ao plantio de leguminosas que, depois de cortadas, introduzem azoto no solo. E não se julgue que esta questão biológica é apenas um capricho para ficar bem na foto. Os Grous, sob a gestão de Luís Duarte, praticam a sustentabilidade em praticamente tudo o que fazem. Dos vinhos aos pomares, das hortas à criação de gado (começaram por ter várias raças, mas hoje optaram apenas por uma raça alentejana, com 200 cabeças, apostando igualmente na criação do porco preto). 

[Não é garantido avistar grous, que são aves migratórias, mas não faltam outros animais, como cavalos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Voltando aos vinhos, a adega começou a ser construída em 2004 e, como é ponto de honra nos Grous, estabelece um compromisso interessante entre a tradição (neste caso dos processos de vinificação) e a modernidade tecnológica. Foi um passo determinante para expandir o negócio e marcou, a partir de 2005, o início de uma maior abertura ao exterior.

[A adega da Herdade dos Grous (foto de divulgação)]

Para quem visita, e é apenas um curioso na matéria, a parte mais divertida é sempre aquela onde se passa em revista as barricas em carvalho francês. Dá para perceber que é (ainda) uma adega recente, mas com uma maturidade e uma gestão otimizada que lhe permite já produzir quatro tintos e dois brancos de "responsa" — equilibrados, de boa cepa alentejana, mas com um perfil internacional, modernos e bem feitos. E não sou eu quem o diz, e sim vários enófilos com quem falei à posteriori.

[Uma das barricas em carvalho francês (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

No almoço que se seguiu, foi-me dada a oportunidade de degustar, a acompanhar as várias entradas e pratos, vinhos de 2010. Primeiro um branco mais leve, seguido de um reserva. Vou tentar traduzir por miúdos as razões que me levaram a ficar arrebatado por este último: elaborado sobretudo a partir da casta Antão Vaz (com notas de Verdelho e Viognier), o que lhe dá um toque todo especial é o facto de ter estagiado por seis meses em barricas novas de carvalho francês. E isso, meus amigos, faz muita diferença.

[A sala do restaurante, com um toque rústico q.b. (foto de divulgação)]

Por ter sido submetido a um contato mais ativo com a borra (o que se entende por bâtonnage), apresenta-se como um vinho guloso, untuoso, intenso (cerca de 14º graus) e que sabe claramente a frutas exóticas maduras. Há quem ache que poderia ser um pouco mais ácido, o que aumentaria a sua frescura; concordo, mas, no conjunto, pareceu-me harmonioso e maridou-se muito bem com os petiscos alentejanos.

[O sal chega-nos assim à mesa (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Seriam ainda servidos, nos tintos, um Colheita de 2010, o 23 Barricas (após estágio de 12 meses de carvalho francês, foram apenas selecionadas 23 barricas de Syrah e Touriga Nacional para o produzir, daí o nome) e, já nas sobremesas, o Moon Harvested (o nome poderia ser traduzido por "Colheita da Lua", é encorpado sem chegar a ser pesado).

[O azeite, o queijo curado de ovelha e o pão (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas chega de falar dos vinhos. Muitos não saberão, como eu não sabia, mas o restaurante da Herdade dos Grous está aberto, todos os dias, ao público. Claro que, pelas condicionantes da herdade, está mais vocacionado para receber grupos e eventos, mas prevalece o propósito de bem  servir quem por ali aportar, o que me agradou.

[O presunto (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Com a elegância rústica comum às grandes casas alentejanas, a sala do restaurante logo passou para segundo plano à medida que foram chegando as várias entradas. Bom presunto, queijo curado de ovelha, pão alentejano e azeite com o selo dos Grous.

[Deliciosamente simples estas tibornas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

É, aliás, com esse azeite extra virgem, produzido apenas por meios mecânicos, que preparam as deliciosas tibornas. Como é que uma coisa tão simples, só com azeite e pão, pode saber tão bem?

[A terrina de ovos mexidos com espargos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Por altura dos ovos mexidos com espargos, já estava mais do que saciado, mas foi só ver a travessa de carnes, com porco preto e costeletinhas de borrego, acompanhadas de batatas, courgettes e cenouras, para recuperar o juízo. Foi tal a distração que, quando dei por ela, já era demasiado tarde para fotografar o prato...

[O que dizer, ou escrever, sobre este sortido rico de sobremesas? (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Felizmente, fui ainda a tempo de captar a sobremesa. Ou melhor, as sobremesas. Vários doces alentejanos, entre groselhas, amores-perfeitos e uma rosa, tudo comestível. Lindo.

Óbvio que este almoço se prolongou mais do que deveria, ou era suposto, e o que era apenas para ser uma "escala técnica" acabou por se tornar uma agradável tertúlia. Mérito do Luís Duarte, que se revelou um anfitrião e um contador de histórias de mão cheia.

Igualmente difícil, se não mesmo impossível, é alguém sair dos Grous de mãos à abanar, sem antes passar na loja de vinhos para um "abastecimento" providencial. 

Ficou a promessa de voltar com mais tempo. De volta à estrada, a hora era agora a de seguir o rasto ao que se produz nos Grous e vai parar aos restaurantes do resort Vila Vita, já no Algarve.

Cenas que mostrarei, e coisas que contarei, no próximo post, pois então. 
(continua...)

Herdade dos Grous | Albernôa, Beja, tel. 284 960 000

28.2.12

#gastronomia: ainda não foi cortada a fita do novo site michelin restaurants e já está lançada a polémica


Nos últimos dias, por conta de um número especial que a revista Evasões está a preparar sobre as estrelas Michelin em Portugal (e não só), mergulhei de cabeça — quase literalmente — no assunto.

A revista, capa de Abril, só deve chegar às bancas em finais de Março (fiquem de olho!), mas o assunto já me rendeu boas leituras, umas quantas oportunidades raras e o pretexto para aprender e repensar uma série de coisas...

Enfim, não posso revelar muito mais, a não ser que, graças à jornalista de gastronomia Maria Canabal (ela escreve para "Le Nouvel Observateur" e é tu-cá-tu-lá com os mais influentes do ramo), acabei de saber que o guia Michelin deverá, muito em breve, lançar oficialmente o seu novo site de restaurantes.

Até à data, a consulta de restaurantes e demais informações relacionadas faz-se ainda através de uma seção no site Via Michelin, mas o novo endereço promete outra dinâmica...

... e também, a fazer fé no que já se lê e ouve a propósito, uma boa dose de polémica. Isto porque no Michelin Restaurants os chefs e/ou restaurantes terão de pagar, mensalmente, para figurarem.

E não é só. Nesta fase de pré-lançamento do site, em que há prémios e tudo como estímulo, leitores e clientes estão já a ser convidados a deixar a sua opinião sobre os restaurantes que frequentam. Vai ser uma prática comum a partir de agora na Michelin, como  sempre aconteceu em outros guias de restaurantes como o Zagat, por exemplo.

Há quem veja nesta nova postura da Michelin uma forma de compensar a baixa de vendas dos guias, por um lado, e de ganhar algum terreno a outros sites, por outro, como o do TripAdvisor, cuja avaliação se baseia igualmente em opiniões (pelo menos em teoria...) e é, cada vez mais, uma ferramenta usada quer por restaurantes, quer pelo grande público.

Uma coisa é certa: muitos gastrónomos, como o crítico brasileiro Josimar Melo (cronista do caderno "Comida" do jornal Folha de São Paulo), torcem o nariz a esta "cedência" da Michelin e temem a desmoralização do seu "selo".

Quem viver, verá.

7.2.12

#pré-abertura: mesmo antes de inaugurar, o hotel downtown, na cidade do méxico, é premiado pela revista Wallpaper*


[A piscina e o bar do Downtown, em comunhão com o centro histórico envolvente (foto de divulgação)]

Se tudo correr como previsto, Downtown, o mais novo membro da linhagem hoteleira do Grupo Habita, só deve abrir as suas portas no próximo mês de Março (pelo menos é o que se diz, mas, até ver, no site do grupo só figura o logo e não dá para fazer reservas).

[A belíssima fachada do antigo palácio dos Condes de Miravalle (foto de divulgação)]

Tratando-se de mais um projeto da dupla-maravilha Carlos Couturier e Moises Micha, os dois empresários que deixaram para trás bem sucedidas carreiras no mundo das finanças para criar a marca de hotelaria Habita, claro que a expectativa é sempre grande. Desta vez, porém, um hotel deles, o terceiro só na Cidade do México (depois do Habita e do Condesa df), dá logo o que falar antes da inauguração.

[Vários elementos foram preservados, como a pedra vulcânica avermelhada das paredes (foto de divulgação)]

Tudo porque a Wallpaper*, porventura a revista de lifestyle mais influente do planeta, o distinguiu, na categoria de melhor reforma, com um Design Award 2012.

[O antes... (direitos reservados)]

[... e o depois (foto de divulgação)]

Em causa, o trabalho minucioso de recuperação levado a cabo num palácio datado de 1670, em pleno centro histórico da capital mexicana, onde o hotel se encontra instalado. 

[A imponente escadaria em ferro forjado (foto de divulgação)]

Frente ao Casino Español, a poucos metros da emblemática Plaza de la Constitución (mais conhecida por El Zocalo), o Downtown ressuscitou uma das poucas residências, onde viveram os Condes de Miravalle (representantes da coroa espanhola e patronos de inúmeras missões franciscanas e jesuítas), que mantinham o esplendor barroco dessa época.

[Vista geral do terraço superior (foto de divulgação)]

Foram poucas as imagens vazadas para a imprensa, mas segundo me adiantou Rafael Micha, filho de Moises e um dos gerentes da cadeia Habita, foi necessário preservar elementos como as paredes em pedra vulcânica (de um tom avermelhado muito bonito), as portas e as janelas emolduradas por alvenaria, os pátios, os ladrilhos de cimento feitos à mão ou a imponente escadaria em ferro forjado.

[O mural "El Holocausto", uma das jóias recuperadas (foto de divulgação)]

Aliás, esta última dá acesso a uma outra jóia escondida, o mural “El Holocausto”, uma obra de 1945 atribuída ao pintor Manuel Rodríguez Lozano, que, esquecida por anos a fio, recuperou todo o seu viço.

[Um dos poucos quartos com apenas uma cama de casal, king size no caso (foto de divulgação)]

É nos quartos, apenas 17 (11 suites ao redor do pátio central e seis suites master com varandas que dão diretamente para a rua), que se sente mais a intervenção do atelier mexicano de arquitetura Cherem-Serrano, que, numa depuração quase monástica, harmonizou tetos abobadados revestidos a ladrilhos de terracota e vigas de madeira com o piso em basalto e a treliça de tijolo usados nas casas-de-banho. O resultado é um misto de herança mexicana e chic europeu.

[O mesmo quarto visto de um outro ângulo (foto de divulgação)]

Com vários hotéis no México e uma incursão recente em Nova Iorque (o muito falado e elogiado Hôtel Americano), o Grupo Habita desde sempre associa os seus projetos a ateliers de renome, e até premiados internacionalmente, como o TenArquitectos de Enrique Norten. 

[O dia em que foi anunciado o prémio, na foto consegue-se vislumbrar um dos quartos virados para a rua (direitos reservados)]

O Downtown não é diferente e promete inovar também pelo seu conceito de alojamento: apenas dois quartos duplos e outros quatro twins. Os restantes possuem entre seis a quatro camas (de diferentes tamanhos e layouts), com casas-de-banho e chuveiros comuns no mesmo andar, destinados a grupos de amigos e/ou famílias que desejem partilhar uma experiência.

[A vista do bar para a piscina (foto de divulgação)]


Imbuído desse espírito de comunhão, o hotel disponibiliza ainda uma piscina e bar no terraço panorâmico, uma sala de projeção, um jardim (chela) e um restaurante de comida mexicana de rua (fonda).

[O hotel fica frente ao Casino Español (foto de divulgação)]

Faz um bom tempo que não regresso à Cidade do México, que adoro, mas recordo-me bem como todo o centro histórico, onde se encontra agora o Downtown, padecia de um mal muito comum em outras metrópoles: comércio e visitantes durante o dia, mas praticamente deserto à noite.

[Mais uma vista da piscina e bar (foto de divulgação)]

Reconhecido como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, o centro histórico da capital mexicana é um verdadeiro museu a céu aberto. Com uma área impressionante de 9,7 quilómetros, ele abriga 436 edifícios de valor monumental, 196 monumentos civis, 67 monumentos religiosos, 53 museus, 78 praças e jardins, 19 claustros, 28 fontes e 12 murais, todos erigidos entre os séculos XVI e XIX. 

Oxalá o novo hotel, integrado numa estratégia de revitalização que não é de hoje, possa contribuir para reverter o quadro. 

No que depender de mim, não vejo a hora de voltar. Ainda mais com uma novidade destas.

4.2.12

#direto de courchevel: la sivolière, porque os detalhes, mesmo os menores, contam

[A fachada do hotel, num dos trechos mais calmos de Courchevel 1850 (foto de divulgação)]

Como praticamente tudo em Courchevel 1850, La Sivolière não é barato. Mas, na multidão de hotéis de luxo da estância mais badalada dos Alpes franceses, ele consegue destacar-se pela discrição, aconchego, atendimento personalizado, intimismo na medida exata e localização certeira (perto da "movida", mas suficientemente longe para não ser contagiado por ela).

[Os muitos detalhes que fazem do La Sivolière um endereço de charme alpino (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Não é o único, claro, mas há qualquer coisa nele de familiar que me agrada, sobretudo porque essa sensação tem a ver com uma escala humana (marca registada da sua gerente, a incansável Florence Carcassonne) e não com a pretensão de se querer passar por aquilo que não é.

[Na receção fica logo claro que os hóspedes de quatro patas são bem-vindos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Explico melhor. 

O La Sivolière, ainda que pequeno (com apenas 24 quartos, 11 suites e um apartamento), não cria em nós, seus hóspedes, a ilusão de estarmos a ser recebidos na casa de amigos ricos. Ele não é um hotel-casa, é um hotel-hotel, com todos os serviços inerentes, que nos faz sentir bem porque, precisamente, não estamos na nossa casa e por isso não temos de nos preocupar com rotinas.

[O lobby (foto de divulgação)]

E foi isso, mais do que tudo o resto, que me conquistou nos quase quatro dias e três noites que passei ali.

Não que as outras coisas sejam detalhes de somenos importância. Longe disso.

[Escadaria de acesso aos quartos e suites (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Por exemplo: pais com crianças de tenra idade, cada vez mais "excluídos" em pequenos hotéis, vão gostar de saber que o La Sivolière é a segunda propriedade em França a obter a certificação de Petit VIP, o que, traduzido por miúdos (não resisti ao trocadilho, óbvio eu sei!), equivale a dizer que estendem o serviço cinco estrelas aos mais novos e que todo o pessoal do hotel foi treinado para ser "child-friendly" e estar à altura da situação.

Poderia ser um direito adquirido, mas não é, pelo que o La Sivolière pretende ir além de um simples Kids Club. 

[Um dos 24 quartos do La Sivolière (foto de divulgação)]

Do mesmo modo, as taças com água e biscoitos, na receção, não deixam margens para dúvida: este é também um hotel onde os hóspedes se podem fazer acompanhar dos seus cães. Os bichanos não estão autorizados a circular pelas áreas comuns, mas partilham, em regime de meia-pensão, os aposentos dos donos e têm à sua disposição os serviços de "babás" e até de um osteopata canino.

E quem não tem crianças nem cães, será que estará pelos ajustes?

[Vários detalhes da suite 50 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

É tudo uma questão de bom-senso. Crianças (bem) educadas sabem comportar-se em qualquer lugar. Donos civilizados sabem educar os seus animais. Pelo menos, em teoria é assim. De todas as formas, crianças não vi durante a minha curta estada, mas havia cachorros no hotel e não dei praticamente por eles. E quando perguntei se o hotel está preparado para apagar os vestígios da sua passagem ("percalços" acontecem nas melhores famílias), a resposta foi firme: "claro que sim. Temos um sistema de limpeza que não deixa o menor vestígio, inclusive de odor se for o caso".

[Mais uma suite (foto de divulgação)]

Ufa! Afinal, ninguém (mesmo quem, como eu, adora bichos) quer chegar, abrir a porta do seu quarto e sentir a "presença" do seu antecessor. Mais ainda se for um antecessor de quatro patas, não é mesmo?

Reconstruído em estilo alpino, o La Sivolière, que já existia antes, ganhou a sua quinta estrela em 2010 e passou por uma remodelação recente que, mais do que  sacudir o pó e mudar as colchas e cortinas, mudou a sua filosofia.

[Pormenores do restaurante 1850, onde as flores são trocadas todas as sextas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Em 2009, o francês Pascal Chatron-Michaud, especializado em arquitetura de montanha, foi chamado a intervir na estrutura, de forma a torná-la mais conforme à tradição dos chalés da Sabóia. Tristan Auer, designer de interiores com provas dadas em outros hotéis como o Jules de Paris ou o Almyra de Chipre, foi o senhor que se seguiu, sendo responsável por uma decoração que, nas áreas públicas, combina elementos regionais como a madeira ou a pedra com toques mais contemporâneos por conta de peças como os tapetes da Diesel e Moroso, as luminárias de Frédérique Morrel ou o sofá em forma de montanha e catarata desenhado por Gaetano Pesce.

Nos quartos e suites, e faz sentido que assim seja, a tónica é mais alpina, com muita madeira e materiais quentes como o veludo e a lã. Tive a sorte de me calhar uma suite enorme, a número 40, que juntava a tudo isso uma sala com lareira, jacuzzi numa das casas-de-banho e uma varanda com vista primorosa para o bosque nevado. 

[A cozinha está a cargo do chef marroquino Bilal Amrani (fotos de divulgação)]

E ainda assim, mesmo com uma cama king size e lençóis de algodão egípcio, é provável que a primeira noite seja passado em claro... Acontece a muito boa gente e eu não fui exceção. Causas mais prováveis? A adaptação à alta atitude, a incapacidade (assumo) para regular o aquecimento central e... ahã... um jantar tardio com raclette, fondue e tartiflette (volto a dizer: o que é de gosto regala a vida; e acrescento: minimiza danos colaterais).

Comida é, aliás, um detalhe que não passa despercebido no La Sivolière. Já dei um ou outro lamiré a esse propósito em posts anteriores (ler aqui), mas volto à carga para falar do que me agradou mais.

[É na comida mais simples que a cozinha do hotel marca pontos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Ótima seleção de pães, charcutaria (os salpicões e os salames são a minha perdição) e queijos no pequeno-almoço. Para começar bem o dia, antes de ir para as pistas, nada como uma primeira refeição robusta. Já no regresso ao hotel, ao final tarde, boa ideia a dos crepes (servidos como cortesia a quem está hospedado) e das várias opções para "picar" no cocktail lounge (substituem perfeitamente um jantar).

Mais do que da cozinha à la carte de Bilal Amrani, que não me surpreendeu, eu gostei foi mesmo das suas propostas mais simples, com base nos produtos de mercado, e do toque pessoal em receitas bem conhecidas como a Caesar Salad (a do La Sivolière é mais forte, por conta da mostarda de Dijon).

[As pistas logo à saída da porta (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Da oferta do hotel fazem ainda parte um pequeno centro de bem-estar (pode não impressionar em instalações, mas a equipa, comandada pelo osteopata Christopher Pirel, sabe o que faz; massagens desde €80) e, detalhe muito importante, uma loja de esqui.

Com acesso direto às pistas (ou não tivesse sido "Jeannot" Cattelin, antigo proprietário do La Sivolière, um dos mentores de Courchevel 1850), o hotel está equipado para não deixar faltar nada a quem vem, efetivamente, para tirar o máximo partido do domínio esquiável de Les 3 Vallées.

E são todas estas coisas, somadas ainda ao facto de haver alguns empregados de origem portuguesa e uma cada vez mais significativa clientela brasileira (os mais presentes são os franceses, seguidos dos russos, dos belgas e dos britânicos), que fazem a diferença do La Sivolière.

Rue des Chenus, Courchevel 1850, França, tel. +33 (0)479 080-833, diárias desde €665 em quarto superior para duas pessoas (tarifa válida até 29/04/2012). Pequeno-almoço não incluído (€35)
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