3.6.12

#hotel de charme: a cozinha do chef rui paula, vista por dentro e por fora em jeito de fotoblog, no vidago palace | parte 2

[Chef Rui Paula, agora também no Vidago Palace (foto de divulgação editada)]


"As pessoas já me conhecem, mas eu quero que saibam que o Rui Paula agora também está no Vidago", começa por me dizer o chef quando nos reencontramos num dos corredores do hotel, horas antes do jantar de degustação que preparou para a imprensa.


[O Salão Nobre do hotel, horas antes do jantar de degustação (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Não por acaso, deixei para um segundo post a cozinha do Vidago Palace. O chef Rui Paula, que comemora hoje (dia 3) 45 anos, começou a exercer as funções de consultor gastronómico do hotel-palácio em setembro de 2011, mas esperou até ao início de março deste ano para tornar o facto oficial.


[O início dos trabalhos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Rui Paula não está a tempo inteiro no hotel — nem poderia, pois continua de pedra e cal à frente dos seus dois restaurantes, o D.O.C. em Folgosa do Douro e o D.O.P. no Porto, que lhe dão muito que fazer. Mas, como da Invicta ao Vidago é pouco mais do que uma hora de carro, aceitou o desafio.


[Carpaccio de pezinhos de coentrada  (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


O Vidago já teve um outro chef e não correu lá muito bem. A aposta em Rui Paula como consultor, em lugar de um chef executivo interno, é fácil de explicar: a médio prazo, a unidade quer conquistar cerca de 30% de clientela estrangeira (sobretudo espanhóis, até pela proximidade à fronteira), mas precisa também atrair e consolidar uma boa base de clientes nacionais.


[Hambúrguer de caça em pão de brioche (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Para tal contam com Rui Paula. "Um restaurante em Portugal tem de ter uma boa base de clientes portugueses. Sem isso não se aguenta", continua o chef, que se pode orgulhar de ter uma clientela leal no Norte do país (mas não só) que o segue e aceita, se preciso for, a suas sugestões de olhos fechados. 


A sua forma de estar, o seu conceito de cozinha (regional, mas contemporânea) e o facto de ser um chef experiente e todo-o-terreno — no sentido em que está habituado tanto a trabalhar para grupos mais restritos como para grupos maiores e eventos — pesaram igualmente na sua contratação. 


Nem tudo está ainda nos trinques. Paula sabe, por exemplo, que precisa mexer na carta dos vinhos, excessivamente cara, e dinamizar a cave, onde, além dos jantares na fórmula "Mesa do Chef" (até doze pessoas) e das provas acompanhadas de tapas e presunto, quer que seja possível, como já se faz noutros hotéis vínicos, os clientes virem para escolher o vinho que irão depois degustar com a refeição.


[Terrina de foie gras (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Seja como for, a sua maior responsabilidade é a de criar os cardápios. Promete algumas novidades no Vidago, mas, no geral, "serão pratos já testados no D.O.C. e no D.O.P.", afirma, fazendo jus à lógica de que será ele, e a sua cozinha, o principal chamariz para atrair comensais ao hotel.


Nessa noite, Paula submeter-se-ia a uma prova de fogo: atender no mesmo Salão Nobre do hotel — apenas aberto ao jantar, o antigo salão de baile proporciona um quadro de grand décor com os seus painéis dourados e carpete florida — dois eventos e um grupo de jornalistas. Detalhe: todos com menus diferentes.


[Cherne com pinhões, Repolga e feijão verde (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


No meu caso, tratava-de de uma oportunidade para ficar a conhecer o menu de degustação em versão mais alargada do que o costume — por regra, são duas entradas, um prato de peixe, outro de carne e uma sobremesa e custa 70 euros (sem bebidas) ou 90 euros (com bebidas) por pessoa. Com o jeito que lhe é peculiar, às oito da noite em ponto já Paula andava a chamar (intimar é mais o termo) para a mesa e a avisar que os quatro amuse-bouches deveriam ser comidos sem demoras e com as mãos — por ordem: tortilha de caviar, cogumelo recheado, carpaccio de pezinhos de coentrada (em azeite de coentros) e hambúrguer de caça em pão de brioche.


Como entrada, terrina de foie gras com uma redução de figo e pêra bêbada para se casar bem com o presunto e o brioche frito em azeite. Foi mais ou menos por essa altura que comecei a notar alguma sobreposição de sabores demasiado marcantes no mesmo prato. Mais equilibrado, o cherne com pinhões, Repolga (um cogumelo de Vila Flor) e feijão verde.


Enquanto isso, na cozinha desenhada pelo prémio Pritzker português Siza Vieira (que assina também o spa e o Club House, referidos no post anterior), a azáfama era grande para dar os últimos retoques no prato de carne: carré de cordeiro com puré de queijo de cabra.


[A azáfama da cozinha durante o jantar (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Apesar de vir apenas uma vez por semana, de sábado para domingo, Rui Paula não dá mostras de estranhar a cozinha do Vidago. 


[©joão miguel simões, todos os direitos reservados]


Pelo contrário.


Com voz autoritária comanda — ou melhor: grita ordens e instruções — uma equipa que não é a sua do dia a dia e é o primeiro a apontar, apesar do breu lá fora, as janelas que Siza fez questão de incorporar para deixar entrar luz natural. Só quem vive habitualmente enfurnado numa cozinha de hotel sabe realmente apreciar pormenores como esse.


[A linha de "empratamento" (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Rui Paula não é do tipo que faz muitas cerimónias. Mesmo quem o conhece pouco, depressa se apercebe que, ao contrário de outros chefs, não é avesso às câmaras e gosta de falar. Na linha de "empratamento", porém, o seu foco muda e a atenção está não só no que faz, mas no que todos os outros à sua volta fazem.


[©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Há muito de autodidata na formação deste chef nortenho, o que acaba por ser um traço relativamente comum no percurso de outros seus colegas. Quem ambiciona, no entanto, chegar mais longe sabe ser fundamental desenvolver à posteriori um trabalho constante de pesquisa, estar atento à concorrência e, se possível, aprender com ela.


No caso de Paula, e mesmo depois de ser reconhecido em Portugal, este não se melindra em ir, vez por outra, "estagiar" por curtos períodos em cozinhas de pesos-pesados como os irmãos Roca, em Girona (Celler de Can Roca, três estrelas Michelin e segundo melhor do mundo no top 10 dos prémios The World's 50 Best).


[©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Ter ou não ter uma estrela Michelin não é uma questão que passe ao lado de Rui Paula. Desde que escrevi pela primeira sobre ele, e já lá vão alguns anos, esse foi sempre um assunto presente. Ele não esconde de ninguém que quer muito a primeira estrela. Alguns críticos gastronómicos da nossa praça, como Fernando Melo, defendem que possui créditos suficientes para isso; outros acham que essa ambição está a exercer uma pressão nem sempre profícua no rumo seguido por Paula, que, na ânsia legítima de ser mais notado, tem vindo a introduzir na sua cozinha de base regional algum "experimentalismo" decalcado da cozinha tecnoemocional; nem sempre, acrescentam, com os melhores resultados finais. 


[E, voilà, o carré de cordeiro devidamente empratado e pronto a ser servido (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Não sou crítico, mas depois de ter provado, do princípio ao fim, esta versão "especial" do menu de degustação do Vidago  — e a seguir ao carré veio ainda um crepe de leite-creme com gelado de citrinos —, dou um pouco de razão a estes últimos. 


Sem desmerecer o trabalho do chef, a quem reconheço o empenho, a garra e até uma saudável truculência tão caraterística das gentes do Norte de Portugal, houve ali harmonizações menos felizes — o puré de queijo de cabra, muito forte, roubou toda a cena ao cordeiro, por exemplo — e alguma "pirotecnia" desnecessária — o limpa-palato servido entre os pratos de peixe e carne era, nada mais nada menos, uma "framboesa explosiva" que reabilitava as petazetas dos anos 1980 para criar uma sensação de efervescência na boca... 


Curioso, ou nem por isso, é que acabei por gostar bem mais dos pratos que estão no cardápio, servido quer no Salão Nobre quer no "Jardim de Inverno", que do menu de degustação.

[O "Jardim de Inverno" visto do mezanino (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A propósito do "Jardim de Inverno", digo — ou melhor escrevo — que esta sala é, sem erro, a minha preferida das áreas comuns do hotel. Palaciana, como quase tudo o resto ali, mas, ao contrário do Salão Nobre, possui uma escala mais humana, o que a torna intimista, e, para o meu gosto, uma decoração menos pesada.

[O "Jardim de Inverno" visto da entrada (foto de divulgação editada)]

Lindo o lanternim central (para muitos uma clarabóia), que inunda o espaço de luz natural, mas filtrada graças também aos tons dominantes de azul-cinza e bordeaux. As cadeiras de madeira e palhinha, os tampos lacados, as palmeiras envasadas, as quatro luminárias suspensas (que foram fabricadas ainda na antiga Checoslováquia), as vitrinas em carvalho onde se exibe a baixela ou até a coleção de fotografias contemporâneas de Mariana Viegas, o conjunto reforça a ideia de jardim de inverno.

[O robalo com arroz selvagem (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Felizmente, além de ter um mezanino com uma biblioteca acessível a qualquer hora do dia, esta sala deixou de ser usada apenas para os pequenos-almoços e foi precisamente num almoço domingueiro, familiar e sem pressas como devem ser os almoços de domingo, que degustei um bom robalo com arroz selvagem e, para adoçar a boca no final, um leite-creme de laranja.

[O leite-creme de laranja (©joão miguel simões, todos direitos reservados)]

Cozinha portuguesa, ainda que desconstruída para lhe dar uma maior leveza e permitir outras combinações — dou exemplos: cabrito à transmontana com seus miúdos ou bacalhau com broa em seu azeite, mas também a perdiz estufada com puré de castanha e puré de abóbora, o cachaço de porco bísaro cozinhado por doze horas e servido com migas de feijão frade e grelos ou o tamboril com risotto de lima — , é uma aposta que faz sentido ali. 

E é este o registo, onde "menos é mais", em que a cozinha de Paula me agrada. Mais terra-a-terra e sem recorrer a "experimentalismos" que, na maior dos casos, ou pesam ou resultam em desnecessária "pirotecnia" (sim, ainda as petazetas...).

Vidago Palace | Parque de Vidago, Apartado 16, tel. 276 990 920. O Salão Nobre abre apenas ao jantar.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...