13.6.11

#olhares cruzados: o artesão no souk de tunes


[©victor manuel lamosa de melo, todos os direitos reservados]

Foi divulgada, esta semana, a fotografia vencedora da competição internacional “Urban Photographer of the Year”, promovida por CB Richard Ellis (CBRE), uma empresa sedeada em Los Angeles, mas presente em Portugal desde 1988, líder mundial na prestação de serviços para o sector imobiliário.

Sou sincero. O anúncio, por si só, não teria desperto a minha atenção não fossem três coisas. A primeira tem a ver com o seu autor, o português Victor Manuel Lamosa de Melo, que conseguiu destacar-se entre fotógrafos amadores e profissionais, num total superior a dez mil inscritos, provenientes da Europa, do Médio Oriente e de África. A segunda diz respeito ao tema deste ano, Cities at Work (Cidades a Trabalhar), pelo que a foto eleita retrata um artesão de latoaria em pleno labor no souk (mercado) de Tunes, a capital tunisina.

Em prova estavam cenários tão diversos como Budapeste, Londres ou Palma de Maiorca, mas a imagem captada pelo fotógrafo amador português cativou o painel internacional de jurados por revelar “na perfeição a essência e os contrastes da vida urbana moderna”.

É provável que o facto de a cena se passar em Tunes, e não noutra cidade, tenha sido irrevelevante para o propósito desta iniciativa, mas, a ter sido, não deixa de ser uma coincidência muito feliz, tendo em conta o momento tão particular, e decisivo, que a Tunísia está a viver.

[Tunes, Abril de 2011 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A coincidência é tão maior, e por isso não me passou ao lado, pois regressei há pouco mais de um mês desse país magrebino e ainda há dias entreguei um texto sobre o mesmo para a edição de Julho da revista Volta ao Mundo. Não vou aqui antecipar, como é óbvio, o que escrevi na íntegra, mas, inspirado pela foto vencedora, partilharei de bom grado, até para despertar a curiosidade, a introdução à viagem que se seguiu, bem como algumas fotos que fiz nos vários locais por onde passei.

[Sidi Bou Said, Abril de 2011 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

No momento em que escrevo estas linhas, ignoro o resultado das eleições do dia 24 de Junho, as primeiras a serem disputadas de forma livre desde que o regime ditatorial de Ben Ali foi derrubado, entre Dezembro de 2010 e Janeiro de 2011, na Tunísia por uma sucessão de acontecimentos que ficarão para a história como a “Revolução de Jasmim”.
Coincidência ou ironia, há mais do que apenas flores em comum entre a revolução portuguesa e a revolução tunisina. Os tunisinos, pelo menos, não se cansam de nos chamar a atenção para as coincidências, que preferem chamar de semelhanças, e tudo têm feito para aprender com os nossos erros e acertos enquanto dão os seus primeiros passos rumo à democracia.

[Oásis de montanha, Abril de 2011 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Não é um processo fácil. Muito menos quando, mais do que apenas a sobrevivência politica, está em causa, tout court, a viabilidade económica do país. Sem outras maiores riquezas, a Tunísia vive, desde há muito, totalmente dependente dos milhões do turismo, mas os turistas, que, ainda no Verão passado, enchiam os voos charters e lotavam os hotéis tardam em regressar.
Nas últimas duas décadas, por motivos sobretudo profissionais, tive a oportunidade de visitar a Tunísia várias vezes e de acompanhar a evolução do seu potencial turístico. Nunca, como agora, a encontrei tão esvaziada de visitantes e isso enche-me de sentimentos antagónicos. E que se, por um lado, é quase um privilégio desfrutar do melhor do país sem as habituais hordas de turistas — há aliás quem defenda que se deve aproveitar o momento para repensar o modelo de turismo de massas seguido até agora —, por outro, não deixa de ser aflitivo testemunhar o desespero silencioso — porque são um povo orgulhoso e discreto — dos milhares de tunisinos que dependem desta indústria e vêem o seu ganha-pão em risco.

[Tozeur-Nefta, Abril de 2011 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Sem as receitas do turismo, e por mais que na última cimeira dos G8 tenham acordado uma ajuda financeira às novas democracias emergentes no Magrebe e Médio Oriente, a Tunísia terá o seu futuro hipotecado.
Ciente de que a situação indefinida na Líbia, com quem partilha uma atribulada fronteira, pesa na opinião pública, os responsáveis pelo turismo, à semelhança do que se passa no Egipto, querem mostrar ao mundo que recuperaram a normalidade e que a presença de militares em certos pontos é discreta e apenas a necessária para garantir que as coisas continuam assim, calmas.
Os meios de comunicação desempenham um papel importante. Por isso mesmo, esta equipa da Volta ao Mundo viajou recentemente ao sul da Tunísia, um dos seus pontos mais turísticos pela proximidade ao deserto, e voltámos para contar o que vimos e vivemos. Não com a intenção de convencer quem quer que seja, porque não é essa a nossa missão, mas para relatar, como sempre fazemos, uma experiência de viagem que pode — e isso sim, garantimos — ser vivida por qualquer um. Basta estar disposto a dar o benefício da dúvida e ter, inclusive, a noção de que, em tempo de crise, a Tunísia apresenta neste momento, mais ainda do que antes, um custo-benefício difícil de bater. 

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