3.2.12

#direto de courchevel: com quantas estrelas, e demais prazeres, se arma uma estância gourmet e gourmand?

[Stéphane Buron e Michel Rochedy, os dois chefs do estrelado Chabichou, fotografados no terraço do restaurante (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Pela boca morre o peixe.

Há quem fale demais e se apresse no julgamento, apenas baseado no que salta à vista e no diz-que-diz.


Não que as aparências sejam totalmente enganadoras neste caso. 


Courchevel não faz a linha estância low profile


A sua associação excessiva, em anos anteriores, a uma emergente, e quase sempre obscura, clientela milionária russa trouxe-lhe proveito, mas não a fama que almejava.


[Le Mangeoire, um dos endereços da moda em Courchevel 1850 (©marc beranguer)]


Os russos continuam firmes em Courchevel 1850, e não passam despercebidos na forma como se comportam, como se vestem e, sobretudo, como gastam (muito) dinheiro; mas os franceses voltaram em força e os brasileiros ganham, a cada nova temporada, um maior protagonismo — e começam, também eles, a contribuir para o "colorido" local, que nos dá conta de famílias que chegam de avião fretado para passar o Réveillon ou que arrendam o chalé mais caro de Courchevel para o Carnaval.


[Le Mangeoire (©marc beranguer)]


Sim, Courchevel não é uma estância para quem conta tostões. Melhor dizendo, não é uma estância para quem se incomoda com a ideia de pagar caro pelos prazeres da vida. Até os mais simples.


Também não é a estância ideal para quem se melindra com o uso de peles verdadeiras — são exibidas, sem a menor culpa, por homens e mulheres —, se altera com egos inflados — sobretudo nos restaurantes e clubes noturnos da moda, como Le Mangeoire, onde as mesas competem entre si para ver quem encomenda mais champanhe — ou acha que já basta uma La Croisette da vida airada em Cannes.


Mas é um prato cheio para quem gosta de juntar o útil ao agradável. 


[Teleférico de Saulire, a 2738 metros de altitude (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Explico: 


Quilómetros e quilómetros de excelentes pistas, no maior domínio esquiável do mundo (Les 3 Vallées) — além de neve com fartura e uma paisagem enfeitada por pinheiros que quebram a monotonia monocromática do branco —, somam-se à boa vida proporcionada por hotéis, spas, lojas, restaurantes e uma programação intensa.


E se o excesso de dinheiro é o responsável por uma certa ostentação — e até mau-gosto, puro e duro —, sem ele, por outro lado, jamais seria possível que Courchevel fosse, tout court, a estância com mais restaurantes distinguidos  pelo guia vermelho da Michelin.


[No topo, Yannick Alléno (à esq.) e Pierre Gagnaire (à dir.); acima: Enrico Bernardo e Michele Biassoni (direitos reservados)]


Na edição de 2012, são sete os contemplados: Le Bateau Ivre, Chabichou, Pierre Gagnaire, 1947, todos com duas estrelas, e ainda La Table du Kilimanjaro, Il Vino d'Enrico Bernardo et L'Azimut, com uma estrela cada um.


À exceção de L'Azimut, que se encontra em Le Praz (Courchevel 1300), os outros seis estão concentrados em Courchevel 1850, o que não deixa de ser extraordinário. Mais ainda porque Pierre Gagnaire, no hotel Les Airelles, e 1947, comandado pelo chef Yannick Alléno no hotel Cheval Blanc, conseguiram as suas duas estrelas de uma assentada com um único ano de atividade. Já o Il Vino, filial da casa parisiense, é notável por juntar o talento de Enrico Bernardo, o mais jovem sommelier a ser eleito o melhor do mundo em 2004, ao do chef Michele Biassoni, de apenas 22 anos.


[Michel Rochedy e o seu filho, Nicolas, fotografados na pista frente ao Chabichou (direitos reservados)]


De todos eles, para pena minha, apenas conheci o Chabichou. Projeto familiar do chef Michel Rochedy, o restaurante é o principal chamariz de um endereço que atende ainda como hotel, spa e um outro restaurante mais informal, Le Chabotté (estes dois últimos inagurados nesta temporada).


[A sala coquette do Chabichou, duas estrelas Michelin (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Rochedy divide, há 20 anos, a cozinha com o chef Stéphane Buron, cabendo às respetivas mulheres de um e outro a tarefa de receber e guiar os comensais. É uma cozinha regional sofisticada e revisitada, com dois menus por ano (um terceiro poderá vir a ser pensado caso o restaurante passe também a abrir no Outono) e preços a partir de €55 (almoço) e €90 (jantar).


[Nas entradas, um pressé de foie gras de pato, com enguia fumada, macaron de maçã verde e geleia de marmelo, €70 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Detalhe interessante, na tarde em que ali estive, à espera de Michel Rochedy que não havia meio de chegar, foi o sous-chef David Ferreira, de pais portugueses, quem acabou por me explicar os pratos que fotografei e degustei.


[La Féra (peixe do Lac Lémain), cozida, e acompanhada por uma "Péla", com batatas e queijo Reblochon, à maneira do Chabichou, €60 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] 


Antes que me acusem de estrelismo agudo, adianto desde logo que nem só de estrelas Michelin (ou macarons, como também lhes chamam) se enche o papo em Courchevel 1850.


[Fondue de queijo (no topo) e raclette (acima), dois pratos típicos da Sabóia (direitos reservados)]


Nem que seja por uma única vez — mais do que isso não recomendo, mas cada um sabe do seu fígado —, sugiro um almoço ou jantar tipicamente saboiano, com raclette (o nome do queijo, mas também da técnica que consiste em raspá-lo para o prato depois de aquecido), fondue de queijo (são três os queijos usados: o Comté, o Beaufort e o Gruyière ou Emmental da Sabóia) e ainda a tartiflette (batatas gratinadas com queijo Reblochon).


[Tartiflette (direitos reservados)]


Para tornar a experiência menos "pesada", segui um conselho que se viria a revelar precioso: não beber água e acompanhar apenas o repasto com um bom vinho branco local.


[Pão, presunto, queijo e salpicões nunca faltaram à minha mesa logo ao pequeno-almoço no La Sivolière (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Mais difícil é resistir aos queijos e à belíssima charcutaria da região, presente quase sempre à mesa desde o pequeno-almoço... Os salpicões secos, e não tanto os salsichões frescos, meus velhos conhecidos, são uma perdição mais do que consentida. O mesmo vale para os queijos, estando o Beaufort e o Reblochon entre os meus eleitos.


[As tartelettes de Au Pain d'Antan (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


No capítulo gulodice, descobri numa das galerias comerciais de La Croisette, o Forum, o Au Pain d'Antan. Gerida pela família Gandy, esta cadeia é originária da Sabóia e mantém um registo artesanal no fabrico próprio de pães, doces, gelados e chocolate.


[Tartelette de noz e croissant de amêndoa (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Passei por ali numa tarde particularmente fria e fui atraído qual íman à vitrina ataviada de brioches, croissants, pains au chocolat, aux raisins e um sem fim de tartelettes


[As Pattes d'Ours (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


E dá-lhe pista para derreter tanta caloria. Felizmente, o que é de gosto regala a vida.

2.2.12

#direto de courchevel: banhos de sol, vista de águia e pré/durante/pós-esqui a 2732 metros de altitude


[Vista do pico La Saulire, a 2738 metros de altitude (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Previsão meteorológica para o dia: céu limpo, sol radioso e uma temperatura abaixo dos 10º C negativos.

[Entre os vários meios mecânicos de Courchevel, as cadeiras são muito práticas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Em Courchevel, as pistas abrem às nove, mas, muito antes da hora marcada, é já grande o frenesi de todos aqueles que não querem perder mais uma (boa) jornada nas montanhas.

[Um programa para todas as idades (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A mais mundana, e cara, de todas as estâncias dos Alpes franceses estruturou-se para agradar a gregos e a troianos. Isso não quer dizer que o consiga. Quer dizer que possui ingredientes para o fazer. O que é diferente.

[Os chalés de estilo alpino (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Quem vem pela festa, e pelas compras, e pelos spas, e pelos hotéis-chalé ou pelos restaurantes estrelados, tem muito com que se entreter. Aliás, é tanta distração que, se não tivermos cuidado, podemos até perder a hora na manhã seguinte...

[L'Aventure, um dos muitos restaurantes de Courchevel 1850 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Quem acha fora de contexto a presença da Chanel, do Valentino ou da Cartier — só para citar algumas das marcas de luxo mais óbvias de La Croisette, a área comercial nobre de Courchevel —, terá, porventura, razões de sobra para concluir que esta não é "a sua praia", ou melhor, "a sua estância".


[Esculturas nas ruas e lojas como a da Chanel fazem parte dos atrativos de Courchevel 1850 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas não confundamos as coisas.


[O comércio rico de La Croisette (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Para lá dos russos novo-ricos que bebem champanhe como quem bebe água em endereços da moda como Le Mangeoire, das peles verdadeiras que se desfilam, dentro e fora de portas, sem peso na consciência e das suites e chalés que custam uma pequena fortuna à semana, há, acreditem no que vos conto, uma Courchevel com adrenalina e focada no básico.

[As vitrinas-tentação de Courchevel 1850 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

É que mesmo não sendo tão desportiva como Val Thorens ou Tignes, Courchevel está longe de ser uma "florzinha de estufa" e integra Les 3 Vallées, que é só, para que conste, o maior domínio esquiável do mundo com enorme variedade de pistas (do iniciado ao "pro") e uma senhora dona infra-estrutura — Ecole du Ski Français e meios mecânicos de última geração incluídos no pacote — digna de respeito.


[Os melhores hotéis e chalés de Courchevel dão diretamente para as pistas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

E neve. Muita e boa neve, com uma consistência próxima ao pó de talco, que é sempre um fator a não subestimar. A temporada de 2011-12 tem-se revelado bastante generosa neste quesito e, a manter-se, prevê-se até que continue a haver neve nos picos mais altos durante o próximo Verão.

[A vista do Family Park, com tapetes rolantes grátis (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Não que isso faça muito diferença. Courchevel, como as demais estâncias, vive de e para o Inverno. No resto do ano, apenas permanece aqui um núcleo duro de duas mil almas, número que ascende vertiginosamente a cerca de 40 mil pessoas durante a época alta. Se contarmos com os visitantes, a soma final aponta para uma média invejável de um milhão e meio por temporada.

[©joão miguel simões, todos os direitos reservados]

Nada mau.

[Le Panoramic, a 2732 metros de altitude (foto de divulgação)]

Entre as várias opções de lazer disponíveis, gosto particularmente dos restaurantes de montanha. Instalados nos píncaros, eles são uma espécie de porto seguro, no meio de quase nada, ideais para uma pausa num dia de intensa atividade nas pistas e/ou para fazer a festa quando as mesmas encerram.


[O terraço do restaurante de montanha Le Cap Horn, a 2100 metros de altitude (foto de divulgação)]


Existem outros como Le Cap Horn, mas Le Panoramic, de Eric Durandard, é uma referência incontornável pela localização, a 2732 metros de altitude, em La Saulire.


[O teleférico e as pistas de La Saulire (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Acessível por teleférico, mesmo para quem não esquia ou faz snowboard (ou faz, como eu, mas não é suficientemente afoito para se aventurar a tanto), Le Panoramic proporciona dos seus terraços e janelas uma visão de águia sobre vales e montanhas.


[O terraço de Le Panoramic (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Por fora e, sobretudo, por dentro, Le Panoramic recria em diferentes ambientes aquilo que se espera encontrar num refúgio alpino de charme: madeira, peles fofas, lareiras acesas e velharias, nalguns casos utilitárias, noutros só para o puro prazer de quem olha e quer recordar o que não viveu.


[Uma das salas de Le Panoramic (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


A par da restauração, Le Panoramic possui agora um outro atrativo de peso: a mais alta suite da Europa, disponível para quem se dispuser a pagar o preço de tamanho privilégio. Mas, como quem avisa amigo é, vale a pena acrescentar a seguinte nota de rodapé: em caso de tempestade muito forte (como aconteceu no começo deste ano), são grandes as chances de se ficar ilhado...


[A sala de refeições no andar de cima (foto de divulgação)]


A suite não experimentei, mas fiz ali um almoço muito agradável.


[O meu almoço em Le Panoramic, com verduras, queijos locais como o Beaufort (na salada) e o Reblochon (tartiflette), pães e doce (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


A cozinha, seja nos menus do dia (€28) ou à la carte, é honesta e privilegia as especialidades locais. Não é alta gastronomia, mas é gastronomia nas alturas, o que acaba por justificar os preços  algo inflacionados. 


[A tarte de frutos vermelhos no bufete de sobremesas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Ao fim e ao cabo, há toda uma logística complicada para estar ali e isso, para quem usufrui da vista e do ambiente, tem de ser levado em conta, não é mesmo?

1.2.12

#direto de courchevel: a cozinha de mercado, com tónica bio, de bilal amrani no hotel la sivolière

[O restaurante 1850, do hotel La Sivolière, dá diretamente para as pistas (foto de divulgação)]

Desde segunda-feira, dia 30, estou em Courchevel, na região alpina da Sabóia, França, não muito longe da fronteira com a Suíça.

[©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Quem segue de perto este blog através da sua página no Facebook talvez já se tenha dado conta do facto. Aliás, ainda ontem postava por lá uma foto, à laia de teaser, e logo alguém me perguntava se a foto em causa (tirada a partir de uma das varandas do cinco estrelas La Sivolière, já agora) tinha sido tirada por mim...

[©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Não que a foto (acima) fosse excecional, mas o seu tom sépia e a legenda "Courchevel 1850" levaram alguns à certa.

Pois não fiz uma viagem no tempo. Acontece que esta popular estância dos Alpes franceses foi construída em diferentes níveis, pelo que me encontro no ponto culminante de um vale, rodeado de pistas, a 1850 metros.

[A lareira acesa dá outro aconchego ao restaurante (foto de divulgação)]

Tão simples quanto isso para uma primeira explicação.

De Courchevel e do charmoso La Sivolière, em que estou hospedado, muito mais há para dizer e mostrar; hoje, não me levem a mal, vou apenas partilhar o meu almoço de ontem no restaurante do hotel, o 1850 precisamente, onde me foi dada a oportunidade de degustar a carta do dia, executada pelo chef magrebino Bilal Amrani.

[O chef magrebino Bilal Amrani (foto de divulgação)]

Os excessos da noite anterior — num jantar tipicamente regional de boa memória que incluiu racletes, fondue, tartiflette e ainda uma tábua da bela charcutaria local — pedia, em sã consciência, uma trégua.

Sem maiores pretensões, foi isso mesmo que Bilal fez. Ao melhor estilo cozinha de mercado, nessa mesma manhã Bilal foi ao seu fornecedor habitual de peixe, o Michel, que lhe arranjou umas conquilhas de Saint-Jacques muito frescas, e trouxe ainda vários legumes e frutas.

[©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Exceção feita ao pão, irresistível de tão guloso, e à boa manteiga Echiré (produzida diariamente por uma cooperativa afamada), quase nada do que ali foi servido comprometeu o nobre propósito de comer de forma mais ligeira e saudável; nem mesmo o vinho eleito, um rosé Château Margüi 201o, proveniente da Provença, de produção biológica.

[©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Interessante o vinho.

Como entrada, uma salada de legumes crocantes, temperada com um azeite levemente cítrico do senhor Pensato.

[©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

De seguida, vieram então as conquilhas gratinadas, acompanhadas por um fondue de alho francês com trufa negra. Não senti muito a trufa, mas ainda assim um prato intenso q.b.

[©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Como sobremesa, um prato de frutas laminadas com um sorvete de limão e génépi, um licor muito parecido ao absinto, produzido a partir da maceração de uma planta com o mesmo nome (da família da artemísia) que se dá nesta região montanhosa.

[©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

O melhor de tudo, porém, é que, após repasto tão ecologicamente correto, nem foi preciso fazer vista grossa ao que se passava lá fora. Pelas janelas do restaurante, emolduradas por bucólicos pinheiros saraivados de um branco glacial, as pistas de esqui não pesavam na barriga e chamavam por nós.

26.1.12

#gente em destaque: ferran adrià (sempre ele) a nu na edição mais do que especial de 2012 da revista "matador"

[Adrià é o grande protagonista da edição de 2012 da revista espanhola "Matador" dedicada à letra "N" (foto de divulgação)]

"Ferran Adrià não é um cozinheiro. É um criador e um intérprete que converteu a cozinha numa representação, numa performance, numa ópera."

A tradução para português é minha, mas as palavras são de Vicente Todolí, a quem coube a honra de fazer o texto de abertura da edição deste ano da revista espanhola "Matador", com lançamento previsto em Março (publicada por La Fabrica, em espanhol e inglês, preço de capa: €70, é já possível fazer a pré-encomenda pela Amazon ou no site da editora).

[Adrià tirou a roupa para a capa de uma edição que promete tornar-se um objeto de desejo e de coleção (foto de Pedro Madueño)]

Desde o fecho do elBulli, em finais de Julho de 2011, perdi a conta às capas, às entrevistas, aos documentários e a tudo o mais que diga respeito a Adrià. 

Muito mais está ainda por vir (um filme, uma exposição, mais livros...), pelo que nem eu, nem ninguém, acredita na retirada de cena de Adrià até à abertura da fundação elBulli no Verão de 2014 (ler aqui o que escrevi a propósito). De uma forma ou de outra, ele far-se-á presente.

[Foto publicada pela "Matador"]

E o que traz de novo esta edição da "Matador" que ainda não saibamos ou não tenhamos visto de Adrià?

Para começar, qualquer edição da "Matador" é, per si, uma coisa excecional. Editada à razão de uma por ano, nasceu com a letra "A" em 1995 e terminará com a letra "Z" em 2022. Cada edição temática, dedicada a uma letra diferente do alfabeto, versa sobre artes, cultura e tendências, o que já lhe valeu, pelos conteúdos e pelo layout apurado, inúmeros elogios e prémios internacionais.

[Foto publicada pela "Matador"]

A edição de 2012, que já vai na letra "N", tem Adrià como principal protagonista e, mesmo antes de estar disponível ao público, já fazia as manchetes de jornais como "El País" ou a revista "Time".

Os responsáveis pela revista sabiam de antemão que não bastaria fazer mais do mesmo. Para mostrar um lado desconhecido, e desvendar um pouco do que será o futuro do "chef mais influente da última década", a revista teve, por cerca de dois anos, uma equipa a trabalhar de muito perto com Adrià.

[Foto publicada pela "Matador"]

No capítulo dedicado ao passado, álbuns de fotos inéditas revelarão como era o restaurante antes da chegada de Adrià, quando pertencia ao casal Hans e Marketta Schilling, e de como era a vida de Ferran e do seu irmão Albert antes do elBulli. Há ainda maquetas em plasticina dos pratos mais emblemáticos servidos no restaurante e a demonstração do famoso El Mapa Evolutivo, método que Adrià utilizava para auditar a criatividade.

Para ilustrar o momento presente, quer Adrià, quer o seu irmão e sócio Albert falam dos seus percursos e dos projetos vindouros. Por outro lado, vários autores e artistas, como o músico Peter Gabriel (que compôs o CD "Full Strecht" para esta edição) ou o cineasta Bigas Luna, abordam a relação de Adrià com a ciência, o cinema, a educação ou as artes.

[Foto publicada pela "Matador"]

Numa outra perspetiva, a relação de Adrià com o Japão ganha destaque, com registos das suas visitas aos mercados e ao mítico restaurante Mibu, bem como dos pratos que criou inspirado pelo país do "Sol Nascente".

elBulli transformou para a sempre a forma como entendíamos e víamos a comida. Por isso mesmo, autores como Yves Michaud, Gastón Acurio ou o impagável Bob Noto escrevem sobre o prazer dos oito sentidos.

[Foto publicada pela "Matador"]

O número "N" não se fica por aqui. Entre outras coisas, há ainda um portfólio sobre a arquitetura do restaurante e um dicionário que desvendará um pouco mais sobre como será a fundação que surgirá em breve no seu lugar; importa, contudo, ressalvar que Adrià foi igualmente chamado a colaborar nos outros conteúdos da revista, tendo cabido a ele, por exemplo, a escolha dos três "matadores" de quem também se fala e escreve na edição: Johann Cruyff, por Vicente Verdú; Michel Guérard, por Andoni Luis Aduriz; e Rafa, por Silvia Fernández.

Sejamos francos. Com apenas sete mil exemplares, e um preço pouco "camarada", esta não é, nem pretende ser, uma revista para todos. Mas, como legado de uma época, tem tudo para se tornar algo digno de ser guardado e estimado.
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