20.9.12

#direto de londres: nuno mendes em versão de bairro no the corner room e o regresso do projeto loft tables

[Nuno Mendes, o português de quem se fala em Londres e no mundo (foto com direitos reservados editada por jms)]

Enquanto espera pela parceria certa que o poderá trazer de volta a Portugal – “Ainda não tive propostas. Quer dizer, só uma, mas não era a certa”, confidenciou-me quase no final da nossa conversa, no bar do Viajante -, Nuno Mendes, o chef de quem tanto se fala, soma e segue em Londres.
[A entrada do Town Hall Hotel, onde fica o Viajante e também The Corner Room (©joao miguel simões, todos os direitos reservados)]

Já publiquei aqui uma curta entrevista e perfil de Mendes, mas vale a pena recordar o seguinte: depois de conquistar (e de manter) a primeira estrela Michelin para o Viajante, uma outra vitória foi motivo de celebração em 2012: o restaurante entrou para a tão desejada lista dos 100 Melhores Restaurantes do Mundo (segundo a revista britânica Restaurant), onde passou a ocupar a 80ª posição. 

[A mistura de estilos que torna o Town Hall Hotel tão especial (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mendes faz parte de uma nova geração de chefs bastante engajada que olha a partilha entre colegas não só como algo saudável, mas também absolutamente necessário à evolução — não por acaso, o Viajante tornou-se um ponto de encontro durante as últimas cerimónias de The World's 50 Best Restaurants. Sobre o seu trabalho no Viajante, de pedra e cal no hotel Town Hall (por si só um motivo de peso para que nos abalemos até ao extremo oriental de Londres, cada vez mais na berra), já muito foi dito e escrito. 

[O lobby do hotel, no térreo, onde fica o Viajante (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Depois de ter deixado Portugal aos 19 anos para ir estudar biologia marítima nos Estados Unidos, as andanças pelo mundo e o gosto pela cozinha acabaram por trocar as voltas a Mendes. 

[Já no primeiro andar do hotel, onde fica The Corner Room (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

As viagens são aliás, mais do que a sazonalidade, uma das maiores fontes de inspiração dos menus ali criados (na sua equipa multiétnica há um núcleo duro de portugueses que o acompanham desde o início), cujo preço mínimo é de cerca de 90 euros ao jantar (seis, nove ou 12 pratos) ou de 45 euros ao almoço (três pratos, três dias por semana). Um pouco puxado para algumas bolsas, o chef sabe disso.
[Candeeiros de teto suspensos em The Corner Room (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Sem comprometer a criatividade e o conceito – no Viajante arrisca combinações inusitadas de produtos lácteos com marisco, não se acanha em usar pele de leite, coração ou línguas de pato confitadas e, sempre que pode, importa o marisco de Portugal –, a pequena sala que era usada para os pequenos-almoços do hotel, no primeiro andar, ganhou o nome apropriado de The Corner Room e um propósito: servir, em ambiente informal condizente com o espírito industrial e artístico do bairro, almoços entre os 22 (dois pratos) e 27 euros (três pratos), entre as 12 e as 16 horas (ao jantar, mantém-se o espírito, mas sem reservas e sem menu pré-definido). 

[Informal e acolhedor (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Com diferentes candeeiros de teto suspensos e mesas de madeira, The Corner Room abriu há pouco mais de um ano, mas, apesar de bastante afreguesado (gente ligada à arte, aos media, à música, além de famílias com crianças que se renderam à proposta de “restaurante de bairro”), ainda permanece escondido e reservado, o que faz com que muitos não tenham dado por este verdadeiro achado. 

[Logo para começar, a ementa e a água (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Explico. É que para os preços praticados em Londres, The Corner Room serve uma cozinha com personalidade própria, marcada pela frescura dos ingredientes, rotatividade dos pratos, aparente simplicidade (o que a torna facilmente assimilável, mais até do que a do Viajante) e um toque, aqui e ali, português (está lá o bacalhau, o queijo da serra da Estrela ou até o pão alentejano, mas não como os conhece). E no final, o preço é bom (ficará um pouco mais caro se pedir vinho, mesmo a copo, como é óbvio).

[Rústico e delicioso o pão do couvert (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Toque de génio, diz boa parte da crítica especializada, para quem, nalguns casos, o "experimentalismo" de Mendes não é levado tão longe em The Corner Room, o que o torna, aos seus olhos e palato, não só mais "abordável", como também até mais interessante, em termos de equilíbrio, do que o Viajante.

[A entrada que elegi — a lula: squid with buttermilk & romanesco (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

É uma forma de ver a coisa. Mendes talvez prefira encará-los como projetos complementares, onde propõem uma cozinha interessante, de lavra própria e com o seu quê de lúdico. 
[Como prato principal, elegi este bacalhau — delicioso, só não fiquei muito convencido com a pele desidratada servida como chips estaladiços (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Uma coisa é certa. Mendes tem planos para o futuro imediato. Ainda em outubro (novembro, o mais tardar), deve retomar The Loft Project. Em novo endereço do East End, que já foi uma fábrica de sapatos, ele será o anfitrião de jantares muito especiais que, uma vez por mês, terão um outro chef convidado. Nesta segunda etapa, o nome escolhido deverá ser Loft Tables e, segundo me avançou Mendes, vai ter uma ligação mais estreita (e oficial) com The World's 50 Best Restaurants. Escusado será dizer que fiquei bem curioso a respeito.

[De sobremesa, ruibarbo, sorvete e biscoito (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas há mais. Mendes antevê a possibilidade de lançar, em 2013, um belo livro dedicado ao trabalho desenvolvido no Viajante e confirmou-me que será um dos chefs presentes na edição de 2013 do Mistura, o festival gastronómico de Lima, no Peru, que se tornou uma atração mundial dentro do género.

[Fecho com o inevitável expresso (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

É esperar pelos próximos episódios.

Town Hall Hotel | Patriot Square, E2 9NF London 

29.8.12

#gastronomia: bistronomia. isso mesmo, bis-tro-no-mia, a palavra que cada vez mais se soletra entre tachos e panelas de paris

[Yannick Alléno no seu "bistronómico" Terroir Parisien (foto com direitos reservados)]


A onda dos bistronomiques (bistrôs gastronómicos), mesmo não sendo mais uma novidade absoluta, soma e segue. Sobretudo em Paris, onde cada vez mais chefs estrelados estão a aderir à “moda” de servir pratos simples com toque de alta cozinha.  

A mais popular rede social de partilha de fotografias — eu que o diga, totalmente viciado —, o Instagram, já fez saber que, não importa a latitude e longitude, a comida é uma das maiores obsessões da humanidade no presente. 

A crise na Europa tem feito os seus estragos na restauração, é certo, mas também fomentou a criatividade e a procura de alternativas. 

É o caso dos bistronomiques, que é como quem diz bistrôs gourmet — movimento ainda relativamente recente, foi assim batizado pelo crítico gastronómico francês Sébastien Demorand para designar pequenos restaurantes, de ambiente informal e convivial (um pouco à imagem das nossas tascas finas), onde se pratica uma cozinha de alto nível e técnica, mas servida a preços mais razoáveis (entre 35 a 45 euros por pessoa, sem bebidas, num jantar de três pratos). 

Espanha e a Grã-Bretanha aderiram à “moda” (logo, logo publico aqui as minhas mais recentes descobertas em Londres), mas é em França, sobretudo Paris, que a “bistronomia” está ao rubro. 

[Do País Basco para Paris, Iñaki Aizpitarte ao comando do premiado Le Chateaubriand (foto com direitos reservados)]

Tudo isto porque depois de pioneiros como o chef François Pasteau (do L’Epi Dupin) ou o chef basco Iñaki Aizpitarte (do Le Chateaubriand), só para citar os mais óbvios, vários outros peso-pesados (estamos a falar de chefs que ostentam ou já ostentaram estrelas Michelin) estão a engrossar a lista de bons endereços “bistronómicos” na capital francesa.

[O ambiente cool do Terroir Parisien (foto com direitos reservados)]

À cabeça surge o nome de Yannick Alléno, três estrelas Michelin no celebrado restaurante do hotel Le Meurice, que abriu o Terroir Parisien, quase sempre lotado graças a propostas como o Boeuf Sauce Bercy (servido com batatas fritas crocantes) ou hot dogs como o que leva salsicha cozida em caldo de legumes com um molho à base de ovos, azeite, mostarda e picles. 

[Anne-Sophie Pic prestes a inaugurar o Madame Pic em Paris (foto com direitos reservados)]

Seguem-se Anne-Sophie Pic, a única mulher a ostentar três estrelas Michelin na sua Maison Pic (20, rue du Louvre), que abriu o Madame Pic em setembro (pratos como lagostins ou vitela com batatas ratte); Alain Solivérès, duas estrelas Michelin no Taillevent, que também chefia Les 110 de Taillevent, com um forte acento vínico — a ideia é que se possa degustar 110 vinhos que fazem parte do acervo do Taillevent, mas a copo, sendo que cada um dos cerca de 30 pratos servidos poderá ser maridado com quatro vinhos à escolha, entre os três e 25 euros, em unidades de sete ou 14 cl.  — e, por fim, Antonin Bonnet, que tinha duas estrelas no the Greenhouse, que arrisca a sua reputação no Le Sergent Recruteur (41, rue Saint-Louis-en-L’île), com um menu sazonal. 

Diz quem sabe, e eu acredito até certo ponto, que a procissão vai só no adro.

28.6.12

a nova temporada do largo do paço, o único restaurante estrelado de portugal fora dos grandes centros


[A vista da Casa da Calçada para o Tâmega e para Amarante (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Às vezes tudo o que precisamos é de um ultimato irrecusável.

[A entrada na Casa da Calçada (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] 

Fazia tempo, mas tempo mesmo, que o Largo do Paço, o restaurante da Casa da Calçada, em Amarante, me andava debaixo de olho.

[O requinte da Casa da Calçada (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas, vá-se lá saber por que razão obscura, eu fui protelando, protelando... até que, há coisa de um mês, talvez até um pouco mais, a Fátima Moura (que está de blog novo, a propósito) me desafiou para um domingo-maratona. Programa cheio, daqueles de ir e vir no mesmo dia, numa viagem de praticamente 800 quilómetros entre Lisboa e Amarante.

[Nas paredes, várias pinturas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Um estirão. Mas um estirão muito tentador.

[O ambiente campestre-chic do Largo do Paço (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Primeiro porque o grupo, para lá de simpático, incluía uma convidada muito especial: nada mais nada menos do que a Maria de Lourdes Modesto (quem não cresceu com um exemplar da Cozinha Tradicional Portuguesa por perto?); segundo porque Vítor Matos, o chef do Largo do Paço, nos daria a provar, em primeiríssima mão, vários pratos (e quando digo vários, estou a falar para cima de dez!) da sua nova carta de verão.

[Chef Vítor Matos (foto de divulgação editada por JMS)]

Irrecusável. Eu bem disse.

[João Costa Oliveira, um dos cicerones da Casa da Calçada e do Largo do Paço (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Chegámos bem na hora do almoço e, depois de uma primeira visita rápida de reconhecimentos aos cantos da casa, fomos logo diretos à adega, onde nos esperava um brinde com um dos espumantes produzidos pela Casa da Calçada. Vítor fez as honras e ali mesmo começou a desvendar um pouco do que viria a seguir.

[O menu Sensory Tasting que Vítor Matos preparou para dar a conhecer a nova carta de verão (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

No Largo do Paço não mudam a ementa todas as estações, como acontece noutros restaurantes de alta gastronomia, mas de cada vez que o fazem, ou seja aproximadamente de seis em seis meses, uma média de 35 novos pratos são introduzidos; fora, claro, os que se tornaram clássicos da casa e por isso não arredam pé do cardápio. 

[Para começar, os pães gulosos do couvert (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Nada mau para um restaurante de interior, ancorado em pleno coração histórico de Amarante, junto à ponte que namora com o rio Tâmega, não? 

Acontece que o Largo do Paço tem pergaminhos a defender.

[A abrir: Foie Gras des Landes com trufa, beterraba, crème brûlée e consommé de trufa Estivium (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Instalado no hotel de charme Casa da Calçada, antiga morada dos Condes de Redondo, o Largo do Paço conquistou a sua primeira estrela Michelin em 2005, estava ainda o Chefe Cordeiro (hoje no Feitoria, em Lisboa) à frente da cozinha. Na altura, alertados pela boa nova, entrou na casa o primeiro grupo de turistas japoneses gourmet. Quem mo contou foi o próprio José Cordeiro.

[Um dos pratos de assinatura de Matos que vem ficando de carta para carta: Lavagante Azul da Costa  glaceado com gel de ostras, redução de Pedro Ximenez e esferificação de sapateira, maracujá e abacaxi (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Cordeiro saiu, entrou Ricardo Costa (hoje no The Yeatman, Porto), e manteve-se a estrela. Vítor Matos foi o senhor que se seguiu, titular até ao presente, sempre sem perder a boa estrelinha. 

[Ainda nos mariscos, o Carabineiro de Sagres com o seu molho, puré de salsifis e toucinho salgado de porco preto (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Caso para dizer que o Largo do Paço dá sorte aos chefs que por ali passam — tanto Cordeiro como Costa conquistaram outra nos seus projetos atuais —, a que não será alheio também o facto de se encontrar integrado na rede Relais & Châteaux (um requisito que sempre merece uma atenção especial dos inspetores da Michelin). 

[Muitos embirram como ovo a 62º graus, uma técnica recorrente da cozinha molecular, mas Matos recupera-o de cartas anteriores, com presunto bísaro e Boletus Edilius confitados em azeite e espargos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Comuns aos três, uma cozinha regional, assente em produtos  sazonais e nas suas raízes (Matos e Cordeiro nasceram fora mas dizem-se transmontanos; Costa é de Aveiro), mas executada com boa técnica e um toque de modernidade. Esta, juntamente com um serviço esmerado de sala e uma decoração campestre-chic, foi e é a imagem de marca do Largo do Paço.

[E que tal uma sopa de ervilhas revisitada? Matos foi muito feliz nesta versão de Ervilhas e Vieiras, que consiste num cappuccino de ervilhas, crocante de chouriço de Barrancos e vieiras salteadas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Vítor Matos, na casa dos trinta mas já com um currículo que atesta a sua formação na Suíça e passagem pelas cozinhas de grandes hotéis em Portugal, dispensa a confusão de grandes cidades como Lisboa e mostra-se satisfeito com o seu percurso discreto, mas muito regular e elogiado, à frente do Largo. 

[Cantaril dos Açores, um peixe muito do agrado dos chefs portugueses, cozinhado a vapor aromático, esparguete de tinta de choco, trouxa de cogumelos, chutney de manga, molho de crustáceos e caril de Madras. Para ter peixe fresco, Matos vai duas vezes por semana à lota (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Na nova carta não chega a ser inovador — nem é esse o perfil de quem, por norma, procura o restaurante, que, curiosidade oblige, tem vindo a atrair muitos clientes brasileiros de passagem pelo Norte —, mas nota-se que tem uma base segura, que lhe permite dominar a técnica, e uma boa dose de confiança e de criatividade, que lhe permitem harmonizações menos habituais. 

[Bem interessante este limpa-palatos entre o peixe e a carne, no caso um Gin Mediterrânico com azeitona, manjericão, tomate e tomilho (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

De tudo o que ali provei, e não vem mal ao mundo por isso, gostei mais de umas coisas do que outras.

[A harmonia da Pintada, bonita de ver, mas também de saborear graças ao peito recheado com pistaches, Morilles, molho de foie gras e cremoso de batatas trufadas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

De um modo geral, gostei muito do facto de, em praticamente todos os pratos, haver sempre produtos locais, legumes da época (para além dos cogumelos e trufas, estas últimas um verdadeiro regalo), com uma piscadela aqui e acolá às técnicas moleculares, mas apenas na justa medida (e bem feito, é bom que se diga, pelo que vi das suas espumas e esferificação). Gostei menos de certas combinações que, para o meu paladar pelo menos, me parecerem escusadas (caso do crème brûlée com o foie gras) ou demasiado fortes (o toucinho salgado no molho do carabineiro, por exemplo).

[Porco Bísaro, fumado e confitado com molho de vinho tinto, gnocchis de castanhas, favas e cebolo. Só foi pena a pele pouco estaladiça (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Também não morri de amores pela textura algo emborrachada da pele do porco bísaro, como se comentou na altura à mesa e com o próprio chef, só que o seu gostinho fumado acabou por levar a melhor. Mas, concordo, seria melhor se a pele pudesse ficar tostada e estaladiça como a dos leitões.

[Para quem não viu antes, bem apanhada esta ideia do charuto doce servido com um licor em vez de whisky (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Nas sobremesas, além do uso de frutos (e no Largo do Paço há o costume de congelar muita da fruta da época para a continuar a usar ao longo do ano), apreciei que com as mignardises, outro exemplo, se tivesse feito uma releitura de alguns doces típicos de Amarante como os Foguetes.


[Cerejas, salteadas com sabayon de Espumante Rosé Lago Cerqueira, macaron, sorvete e bombom de framboesa (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] 

Já não fiquei muito convencido com a mistura do azeite, ainda que muito frutado, com o iogurte e maracujá. O azeite usado, vale dizê-lo, é o premiado Quinta Vale do Monte, de Trás-os-Montes.


[No topo, O Melhor Azeite do Mundo; acima, as mignardises inspiradas nos doces típicos de Amarante, servidas com o café (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] 

Uma última achega para falar da carta de vinhos, com uma boa escolha a copo, mas também do talento artístico de Vítor Matos. Muitos ainda não sabem mas o chef tem vindo a desenvolver uma linha de design próprio, a Natura, que inclui peças decorativas, mas também louças, além de ter o hábito de desenhar as suas ementas, testando as várias possibilidades de empratamento.

[Um dos esboços de Vítor Matos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] 

Ah, já agora, convém acrescentar que o restaurante funciona à la carte ou com menus de degustação, sendo que neste último caso é aconselhada a reserva prévia. 
  
Casa da Calçada | Largo do Paço, 6, Amarante, tel. 255 410 830, preço médio: 70 euros

3.6.12

#hotel de charme: a cozinha do chef rui paula, vista por dentro e por fora em jeito de fotoblog, no vidago palace | parte 2

[Chef Rui Paula, agora também no Vidago Palace (foto de divulgação editada)]


"As pessoas já me conhecem, mas eu quero que saibam que o Rui Paula agora também está no Vidago", começa por me dizer o chef quando nos reencontramos num dos corredores do hotel, horas antes do jantar de degustação que preparou para a imprensa.


[O Salão Nobre do hotel, horas antes do jantar de degustação (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Não por acaso, deixei para um segundo post a cozinha do Vidago Palace. O chef Rui Paula, que comemora hoje (dia 3) 45 anos, começou a exercer as funções de consultor gastronómico do hotel-palácio em setembro de 2011, mas esperou até ao início de março deste ano para tornar o facto oficial.


[O início dos trabalhos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Rui Paula não está a tempo inteiro no hotel — nem poderia, pois continua de pedra e cal à frente dos seus dois restaurantes, o D.O.C. em Folgosa do Douro e o D.O.P. no Porto, que lhe dão muito que fazer. Mas, como da Invicta ao Vidago é pouco mais do que uma hora de carro, aceitou o desafio.


[Carpaccio de pezinhos de coentrada  (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


O Vidago já teve um outro chef e não correu lá muito bem. A aposta em Rui Paula como consultor, em lugar de um chef executivo interno, é fácil de explicar: a médio prazo, a unidade quer conquistar cerca de 30% de clientela estrangeira (sobretudo espanhóis, até pela proximidade à fronteira), mas precisa também atrair e consolidar uma boa base de clientes nacionais.


[Hambúrguer de caça em pão de brioche (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Para tal contam com Rui Paula. "Um restaurante em Portugal tem de ter uma boa base de clientes portugueses. Sem isso não se aguenta", continua o chef, que se pode orgulhar de ter uma clientela leal no Norte do país (mas não só) que o segue e aceita, se preciso for, a suas sugestões de olhos fechados. 


A sua forma de estar, o seu conceito de cozinha (regional, mas contemporânea) e o facto de ser um chef experiente e todo-o-terreno — no sentido em que está habituado tanto a trabalhar para grupos mais restritos como para grupos maiores e eventos — pesaram igualmente na sua contratação. 


Nem tudo está ainda nos trinques. Paula sabe, por exemplo, que precisa mexer na carta dos vinhos, excessivamente cara, e dinamizar a cave, onde, além dos jantares na fórmula "Mesa do Chef" (até doze pessoas) e das provas acompanhadas de tapas e presunto, quer que seja possível, como já se faz noutros hotéis vínicos, os clientes virem para escolher o vinho que irão depois degustar com a refeição.


[Terrina de foie gras (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Seja como for, a sua maior responsabilidade é a de criar os cardápios. Promete algumas novidades no Vidago, mas, no geral, "serão pratos já testados no D.O.C. e no D.O.P.", afirma, fazendo jus à lógica de que será ele, e a sua cozinha, o principal chamariz para atrair comensais ao hotel.


Nessa noite, Paula submeter-se-ia a uma prova de fogo: atender no mesmo Salão Nobre do hotel — apenas aberto ao jantar, o antigo salão de baile proporciona um quadro de grand décor com os seus painéis dourados e carpete florida — dois eventos e um grupo de jornalistas. Detalhe: todos com menus diferentes.


[Cherne com pinhões, Repolga e feijão verde (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


No meu caso, tratava-de de uma oportunidade para ficar a conhecer o menu de degustação em versão mais alargada do que o costume — por regra, são duas entradas, um prato de peixe, outro de carne e uma sobremesa e custa 70 euros (sem bebidas) ou 90 euros (com bebidas) por pessoa. Com o jeito que lhe é peculiar, às oito da noite em ponto já Paula andava a chamar (intimar é mais o termo) para a mesa e a avisar que os quatro amuse-bouches deveriam ser comidos sem demoras e com as mãos — por ordem: tortilha de caviar, cogumelo recheado, carpaccio de pezinhos de coentrada (em azeite de coentros) e hambúrguer de caça em pão de brioche.


Como entrada, terrina de foie gras com uma redução de figo e pêra bêbada para se casar bem com o presunto e o brioche frito em azeite. Foi mais ou menos por essa altura que comecei a notar alguma sobreposição de sabores demasiado marcantes no mesmo prato. Mais equilibrado, o cherne com pinhões, Repolga (um cogumelo de Vila Flor) e feijão verde.


Enquanto isso, na cozinha desenhada pelo prémio Pritzker português Siza Vieira (que assina também o spa e o Club House, referidos no post anterior), a azáfama era grande para dar os últimos retoques no prato de carne: carré de cordeiro com puré de queijo de cabra.


[A azáfama da cozinha durante o jantar (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Apesar de vir apenas uma vez por semana, de sábado para domingo, Rui Paula não dá mostras de estranhar a cozinha do Vidago. 


[©joão miguel simões, todos os direitos reservados]


Pelo contrário.


Com voz autoritária comanda — ou melhor: grita ordens e instruções — uma equipa que não é a sua do dia a dia e é o primeiro a apontar, apesar do breu lá fora, as janelas que Siza fez questão de incorporar para deixar entrar luz natural. Só quem vive habitualmente enfurnado numa cozinha de hotel sabe realmente apreciar pormenores como esse.


[A linha de "empratamento" (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Rui Paula não é do tipo que faz muitas cerimónias. Mesmo quem o conhece pouco, depressa se apercebe que, ao contrário de outros chefs, não é avesso às câmaras e gosta de falar. Na linha de "empratamento", porém, o seu foco muda e a atenção está não só no que faz, mas no que todos os outros à sua volta fazem.


[©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Há muito de autodidata na formação deste chef nortenho, o que acaba por ser um traço relativamente comum no percurso de outros seus colegas. Quem ambiciona, no entanto, chegar mais longe sabe ser fundamental desenvolver à posteriori um trabalho constante de pesquisa, estar atento à concorrência e, se possível, aprender com ela.


No caso de Paula, e mesmo depois de ser reconhecido em Portugal, este não se melindra em ir, vez por outra, "estagiar" por curtos períodos em cozinhas de pesos-pesados como os irmãos Roca, em Girona (Celler de Can Roca, três estrelas Michelin e segundo melhor do mundo no top 10 dos prémios The World's 50 Best).


[©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Ter ou não ter uma estrela Michelin não é uma questão que passe ao lado de Rui Paula. Desde que escrevi pela primeira sobre ele, e já lá vão alguns anos, esse foi sempre um assunto presente. Ele não esconde de ninguém que quer muito a primeira estrela. Alguns críticos gastronómicos da nossa praça, como Fernando Melo, defendem que possui créditos suficientes para isso; outros acham que essa ambição está a exercer uma pressão nem sempre profícua no rumo seguido por Paula, que, na ânsia legítima de ser mais notado, tem vindo a introduzir na sua cozinha de base regional algum "experimentalismo" decalcado da cozinha tecnoemocional; nem sempre, acrescentam, com os melhores resultados finais. 


[E, voilà, o carré de cordeiro devidamente empratado e pronto a ser servido (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Não sou crítico, mas depois de ter provado, do princípio ao fim, esta versão "especial" do menu de degustação do Vidago  — e a seguir ao carré veio ainda um crepe de leite-creme com gelado de citrinos —, dou um pouco de razão a estes últimos. 


Sem desmerecer o trabalho do chef, a quem reconheço o empenho, a garra e até uma saudável truculência tão caraterística das gentes do Norte de Portugal, houve ali harmonizações menos felizes — o puré de queijo de cabra, muito forte, roubou toda a cena ao cordeiro, por exemplo — e alguma "pirotecnia" desnecessária — o limpa-palato servido entre os pratos de peixe e carne era, nada mais nada menos, uma "framboesa explosiva" que reabilitava as petazetas dos anos 1980 para criar uma sensação de efervescência na boca... 


Curioso, ou nem por isso, é que acabei por gostar bem mais dos pratos que estão no cardápio, servido quer no Salão Nobre quer no "Jardim de Inverno", que do menu de degustação.

[O "Jardim de Inverno" visto do mezanino (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A propósito do "Jardim de Inverno", digo — ou melhor escrevo — que esta sala é, sem erro, a minha preferida das áreas comuns do hotel. Palaciana, como quase tudo o resto ali, mas, ao contrário do Salão Nobre, possui uma escala mais humana, o que a torna intimista, e, para o meu gosto, uma decoração menos pesada.

[O "Jardim de Inverno" visto da entrada (foto de divulgação editada)]

Lindo o lanternim central (para muitos uma clarabóia), que inunda o espaço de luz natural, mas filtrada graças também aos tons dominantes de azul-cinza e bordeaux. As cadeiras de madeira e palhinha, os tampos lacados, as palmeiras envasadas, as quatro luminárias suspensas (que foram fabricadas ainda na antiga Checoslováquia), as vitrinas em carvalho onde se exibe a baixela ou até a coleção de fotografias contemporâneas de Mariana Viegas, o conjunto reforça a ideia de jardim de inverno.

[O robalo com arroz selvagem (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Felizmente, além de ter um mezanino com uma biblioteca acessível a qualquer hora do dia, esta sala deixou de ser usada apenas para os pequenos-almoços e foi precisamente num almoço domingueiro, familiar e sem pressas como devem ser os almoços de domingo, que degustei um bom robalo com arroz selvagem e, para adoçar a boca no final, um leite-creme de laranja.

[O leite-creme de laranja (©joão miguel simões, todos direitos reservados)]

Cozinha portuguesa, ainda que desconstruída para lhe dar uma maior leveza e permitir outras combinações — dou exemplos: cabrito à transmontana com seus miúdos ou bacalhau com broa em seu azeite, mas também a perdiz estufada com puré de castanha e puré de abóbora, o cachaço de porco bísaro cozinhado por doze horas e servido com migas de feijão frade e grelos ou o tamboril com risotto de lima — , é uma aposta que faz sentido ali. 

E é este o registo, onde "menos é mais", em que a cozinha de Paula me agrada. Mais terra-a-terra e sem recorrer a "experimentalismos" que, na maior dos casos, ou pesam ou resultam em desnecessária "pirotecnia" (sim, ainda as petazetas...).

Vidago Palace | Parque de Vidago, Apartado 16, tel. 276 990 920. O Salão Nobre abre apenas ao jantar.
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